A juventude da transição
Artigo publicado no Jornal do Movimento Pró-Mudanças, página 3
Terça-feira, 03 de Maio de 1988 – Fortaleza, Ceará, Brasil
Presente! – Foi a determinação de cada um dos milhares de adolescentes que, com mochilas nas costas, cadernos e uniformes molhados, saíram às ruas de Fortaleza para protestar contra os abusos das mensalidades escolares. Um fato político de valor inestimável para a realidade atual do País. Uma prova de que a juventude, erroneamente vista como mera repetidora de lições colegiais e normas sociais, está atenta, no instante em que a Assembléia Nacional Constituinte concede o direito de voto aos maiores de 16 anos.
A tatuagem da inutilidade, que o regime autoritário gravou na pele dos filhos do Golpe, começa a esmaecer diante da certeza de que há responsabilidade do jovem para a consolidação da democracia. Existe uma chance no ar. Uma oportunidade de participação que não se restringe a pequenos grêmios. Atenta, a juventude da transição parece disposta a lutar por tanto quanto ainda não lhe foi permitido ousar.
Onde estará o motivo dessa ação dos estudantes secundaristas? Será que apenas no alto percentual da anuidade escolar? É possível que não. O desejo de mudar é uma característica fundamental dos inconformados. E o jovem, além da sua natural inquietude, sente o clima nebuloso da política sócio-econômica brasileira em seu relacionamento familiar e na hora de comprar um disco da banda musical que admira. Desta forma, nada melhor do que explodir toda essa angústia apoiado em uma causa para a qual obter o aval dos pais não foi tão difícil.
O Brasil vive um processo manco de transição democrática. Coxeia rumo a um futuro improgramável e carente de novos valores políticos. Por isso, é preciso compreender e estimular as atitudes da juventude e seus movimentos. Caso alguns jovens não estejam medindo modelos de ação em seus protestos ou, até mesmo, participando das reivindicações feitas por seus companheiros simplesmente por deságua de rebeldia e aventura, não deixa de ser uma circunstância adequada a seu crescimento como cidadão. É, pelo menos, melhor do que a tentativa de fuga da realidade através das drogas ou pelos alucinógenos da eletrônica.
Nas próximas eleições, estima-se a votação de aproximadamente 200 mil eleitores na faixa de 16 a 18 anos, em Fortaleza. Número que exige reflexão. São pessoas não-viciadas em conceitos, que normalmente acreditam na possibilidade de transformar o mundo. Têm energia e audácia para isso. Basta que se lhes ofereçam chances de exercer uma participação de solidez vestida de alegria e descontração.
O primeiro passo para uma nação que deseja ser democrática é dar à sua juventude subsídios políticos para que ela possa se sentir útil e realmente ser ativa. O jovem é condutor da caderneta de poupança democrática de um país. É ilógico acreditar em propostas de liberdade sem um investimento radical na formação política dos adolescentes ou reprimindo os seus impulsos de resistência espontânea e desejo de também participar das decisões sociais.
Em uma sociedade de partidos capengas e muitos militantes viciados em chavões ultrapassados por si mesmos, a briga dos estudantes nas ruas por seus interesses simboliza a sabedoria do gênio popular ao assegurar que um dos melhores temperos que existem é a própria fome. No caso, a escassez de um política séria, comprometida com o bem-estar do ser humano.