Vida nova aos brinquedos
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno3, pág.2
Quinta-feira, 04 de Outubro de 2012 – Fortaleza, Ceará, Brasil
Dia da Criança é sinônimo de dia de brinquedo… e de brinquedo novo. Para meninas e meninos o brinquedo é um companheiro inseparável do brincar e da brincadeira. Para muitos dos adultos que ganham dinheiro com a venda de brinquedos a criança tende a ser um mero alvo de insistentes mensagens publicitárias com ofertas de novidades. Poderia ser bem diferente, algo como… ao invés de brinquedo novo, no Dia da Criança, novo talvez pudesse ser o lugar de levar o brinquedo para com ele brincar.
Seja como for, o certo é que as lojas estão cheias de novidades para a imaginação replicável. Tem peixe-robô que nada em aquário como se fosse um peixe de verdade, minigame em forma de carrinho com jogos, ursinho que pode falar a partir de controles de Smartphone e cachorro que obedece aos comandos de aplicativos de iPhone, entre outros novos lançamentos de bonecas, bonecos, jogos eletrônicos, laptops abertos a intervenções programadas do usuário e tablets com tela LCD e função touch.
Pelo ritmo das agitações voltadas para a compra de brinquedos nesse período em que se intensifica o “foco na infância”, às vezes fica difícil pensar em alternativas à pressão do consumismo. Mas a sociedade não perdeu de todo a sua energia utópica. Assim como existe a Festa do Saci, nasce mais uma opção de âmbito nacional para quem se interessa em mudar hábitos de consumo. Com o lema “Trocar é mais divertido do que comprar”, o Instituto Alana está incentivando em todo o Brasil a realização de feiras de trocas de brinquedos.
Brasília, Goiânia, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Belém, Manaus e tantas outras cidades já estão nessa brincadeira. Cada lugar faz a feira no dia e na forma que puder, mas a ideia é tentar o máximo possível que seja uma semana antes do Dia da Criança, contribuindo para divertidos encontros e para a redução da frenética pressão de compra de novos brinquedos para a data comemorativa da infância.
A troca altera a ordem prática do consumismo, ao oferecer às crianças a chance de adquirirem novos brinquedos sem relação de compra, ao tempo em que dá nova vida aos brinquedos. De repente, aquele brinquedo que a criança não se relaciona mais e que ainda está em bom estado de conservação é tudo o que outra criança adoraria conhecer. Todos podem fazer esse tipo de feira e em qualquer lugar: pátios de escolas, praças, parques, quintais, condomínios etc. O importante é criar oportunidades de fuga para os brinquedos que estão condenados ao esquecimento, quer porque a criança que com ele brincava cresceu ou porque ganhou novidades.
Atividades saudáveis como essa têm caráter desestressante e são boas para mães, pais, avós, avôs, tias, tios, cuidadores e, óbvio, para as crianças. A feira de trocas é um evento de descompressão para quem está disposto a escapar das ondas de consumismo que promovem a gastança de dinheiro com o desnecessário. Esse tipo de feira ajuda também a economizar, a reduzir despesas familiares com a compra de brinquedos que as crianças, contagiadas pelas verdades efêmeras do consumismo, querem porque querem, embora muitas vezes a fantasia praticamente se esgote no ato da compra.
A sociedade está cansada de assédio comercial excessivo. Neste aspecto, a Feira de Trocas de Brinquedos é a maior novidade do momento, pela pausa digital que sugere, pelo basta na compulsão de compra, pela noção de que brinquedo novo não precisa ser novo e pela aproximação das crianças em lugar agradável que permita a elas fazerem trocas, considerando o valor de atração de cada brinquedo e não o valor de mercado, e podendo experimentar o brinquedo adquirido durante o próprio evento. O recurso primitivo do escambo humaniza a atividade, contribuindo para redimensionar a percepção da ideia de novo e de valor das coisas na infância, pondo na brincadeira o conceito de consumo solidário.
Evidente que, com o cuidado necessário para não incentivar uma padronização, o Instituto Alana disponibilizou no site http://feiradetrocas.alana.org.br/ um conjunto de informações que podem facilitar a organização de uma feira de troca de brinquedos, com referências de cartaz, de filipetas e de pontos que merecem atenção quando se realiza um evento dessa natureza. Esse guia deverá, inclusive, ser alterado à medida que mais e mais feiras forem sendo realizadas e, com elas, revelados outros aspectos de aprendizagem individual e coletiva merecedores de compartilhamento.
Mais do que promotora da educação para o consumo, a feira de trocas é uma iniciativa de estímulo à convivência social. Reforça a esperança de que há saídas; de que se pode encontrar soluções simples para problemas tão complexos como o do consumismo. Os brinquedos brincados são diferentes dos brinquedos de loja, embora um dia tenham vindo de lá. A feira proporciona a renovação da ideia de que, mais do que apenas comprar, as crianças querem brinquedo para brincar. Sabe-se que essa situação do brincar passa por um momento tão crítico atualmente, a ponto de existirem crianças que brincam escondido das outras para não serem taxadas de “pivete”.
Quando as crianças se encontram para esse tipo de troca elas doam mutuamente memórias e fragmentos percebidos do que viveram com o brinquedo. Exercitam o desapego com descontração e aproximam motivos distintos da ação de sublimação de impulsos inconscientes. É provável que em alguns casos haja a recusa da criança de participar da feira, tanto por medo social quanto por falta de compreensão de que brinquedo novo é aquele com o qual ainda não se brincou.
A Feira de Troca de Brinquedos é um modo de reanimar a relação da infância com o brinquedo, por meio de novos sentimentos. O simples fato de definir os brinquedos a serem permutados pode provocar a vontade de voltar a brincar com eles. Cada brinquedo que foi brincado está cheio de aventuras projetadas a sugerir e descrever a criança que com ele brincou. Muitos brinquedos deixam de ser brinquedos quando incorporados à paisagem do quarto em sobreposições de lembranças. Além disso, na feira, as meninas e os meninos podem encontrar brinquedos semelhantes aos que com eles brincaram e também reascender lembranças.
O rejuvenescimento da infância pela revitalização do brinquedo é um caminho para o fortalecimento muscular da imaginação. A relação dual existente na intimidade psicodramática do brincar enseja também uma dupla experiência: a extroversão do desejo pelo brinquedo do outro e a introversão da cessão de algo íntimo para o usufruto de terceiros. Pensando bem, a troca de brinquedos não é apenas o tomar de um objeto de brincar por outro, mas a troca de vários registros de um mesmo brinquedo, com suas sensações, impressões, seduções e outras relações transferenciais múltiplas e profundas de caráter anímico.
A feira de trocas torna-se mais rica quando aberta a todo tipo de brinquedo, fugindo do politicamente correto e dos direcionamentos para os chamados brinquedos educativos. Quanto mais livre e diversificada for, quanto mais equilíbrio de variedades apresentar, mais divertida será. O êxito desses eventos passa pela liberdade que as crianças tiverem para levar brinquedos prontos, brinquedos de montar, de jogar, de pintar, de ler, enfim, passa pela compreensão do brinquedo como peça de criação contínua, que não se esgota no objeto. Quando levado para adoção em uma feira de trocas o brinquedo pode voltar a ser amado por outra criança, renascendo para outras imaginações e dando longevidade à infância.