Acabo de fazer a leitura de algumas obras da escritora, poeta, tradutora e artista plástica paulista Tirzah Ribeiro. Em forma de crônica, conto, novela e poesia, seus escritos valorizam a tomada de consciência do que se vê e se sente, como se a autora procurasse chamar a atenção para a necessidade de percepção dos detalhes na construção do viver.
Radicada em Montevidéu, Tirzah tem 90 anos e, além de Ribeirão Preto, onde nasceu, morou no Rio de Janeiro e em Barcelona. Com trânsito livre total entre o português e o espanhol, ela realça, com a fluidez do seu espírito leve e senso filosófico natural, situações cotidianas vivenciadas nesses lugares, mesmo aquelas que, para muitas pessoas, parecem não significar nada.
As motivações da sua pena fecunda nasceram exatamente dos momentos únicos presentes em fatos aparentemente banais, como um casal dançando na rua, alguém tomando banho no chuveiro em um dia quente de verão, a vergonha que precede a dor quando alguém tropeça e cai em via pública e a sensação de omissão e impotência diante da miséria.
Tirzah aborda o despertar para o dilema humano de comer carne de presas que já vêm mortas, sem precisar caçar, como faziam os povos das cavernas, com a mesma desenvoltura da narração que faz do que se passou em sua cabeça ao ver na porta de uma borracharia fechada o aviso: “Estamos de luto: o ALBERTO morreu”. Sim, esse Alberto não poderia ser qualquer um.
As histórias contadas por ela não são necessariamente trágicas ou cômicas; são simplesmente singulares, a exemplo do homem que pensava jogar xadrez sozinho todos os domingos e da tentação de um jornalista em situação de férias ao encontrar na praia um pescador que resolvera deixar de falar, gerando versões populares sobre as razões desse inusitado mutismo.
A apreciação de uma pintura feita pelo tempo nas paredes de textura rugosa de certa garagem abandonada levou a protagonista a inscrever tal obra em um concurso de artes, antes que algum pedreiro refizesse o reboco e pintasse tudo em nome da limpeza. Esse encontro e preocupação com o belo fortuito aparece também em um texto de Juana de Ibarbourou (1892 – 1979), no qual a poeta uruguaia conta suas recordações de infância.
A criação de Tirzah Ribeiro tangencia os recursos estéticos de Samuel Beckett (1906 – 1989) em “Esperando Godot”, quando sua prosa abre a questão de como, ou se convém, esperar por alguém que não ficou de vir. Diferentemente da peça do dramaturgo irlandês, em que não se sabe quem não ficou de chegar e o que dele é esperado, o conto teatral de Tirzah fala de Gaspar, aquele evasivo amor a que supostamente não haveria outro igual.
É provável que a característica imagética dos textos de Tirzah esteja relacionada ao fato de a autora ser artista plástica. A gente vê o choque entre a risada infantil e a sisudez adulta quando ela descreve a hora do chá de um tempo em que, com uma dor fina, a memória se desamarra da lucidez. Sensação igual pode-se ter ao acompanhar a criança que vê um desfile de formigas na pia da cozinha e quer saber para onde marcham tais soldadinhos.
Nesses tempos de repensar natureza e cultura, alguns poemas de Tirzah Ribeiro vão direto ao ponto: a) “A árvore desabitada / pelos pássaros chamava // Os pássaros, porém (…) não sabiam da solidão / que seu canto preenchia”; b) “Meu saci aboletado nos sonhos / encantados da razão”; e c) “Se o mundo vai à deriva / Limpa teu pátio e tua vida”. E assim pulsa a sua verve pela vida integral e a lateralidade.