Diário do Nordeste – Caderno 3, 08/06/2009

No lançamento em São Paulo do seu livro ´Eu Era Assim´, Flávio Paiva une-se mais uma vez à banda Dona Zefinha em um divertido espetáculo para crianças e adultos

LIZETE TELES DE MENEZES 
Especial para o Caderno 3 

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Antônio Nóbrega no palco com
banda Dona Zefinha

Gabriel Ribeiro, 13 anos, comandava uma fileira de meninos, todos da mesma família. Mateus, 10 anos, Pedro, 8, e Vinícius, 3 anos, moradores das imediações do Capão Redondo, Zona Sul da capital paulista, nunca tinham ido ao Teatro Brincante, onde aconteceu o lançamento, em São Paulo, do livro do escritor cearense Flávio Paiva, intitulado ´Eu Era Assim – Infância, Cultura e onsumismo´, editado pela Cortez Editora. A meninada da família Ribeiro esperava ansiosa pelo começo do show. Banda Dona Zefinha? Nunca ouviram falar. Flávio Paiva? Também não. Ninguém sabia o que ia acontecer. ´Só sei que tem palhaço e eu gosto muito´, disse Pedro, com um sorriso rasgado. Saíram maravilhados com a autêntica festa de som, luzes e cores da qual participaram, em uma recente tarde ensolarada de domingo. 

Logo no início, um pequeno atraso no show aumentava a ansiedade. ´Começa, começa´, gritavam os meninos Ribeiro, fazendo coro com a meia centena de crianças espalhadas pelas arquibancadas do teatro. Os acompanhantes adultos não aderem, mas também não impedem o protesto. Flávio Paiva, mostrando sua habilidade em lidar com o publico, pede a palavra e ganha tempo para que a câmera que filmou o espetáculo fosse devidamente montada. ´Quero dizer a todos, meninos e meninas, que esse livro e esta festa são para adultos que acreditam nas crianças e para as crianças que acreditam nos adultos´. Conquista a platéia. 

Tudo saiu do jeitinho que Flávio Paiva certamente gosta. E bem dentro do espírito do livro, que prega, entre outras teses, a valorização da cultura da infância, mediante a sensibilização das comunidades, como uma das ferramentas indispensáveis para fazer frente à invasão da alma infantil pela cultura do consumismo. Prestigiando o conterrâneo, a banda Dona Zefinha, liderada por Orlângelo Leal, encantou a audiência com uma explosão de sonoridades e cores, na tradição dos melhores musicais dirigidos ao público infantil. Teve até um palhaço da perna-de-pau, num espetáculo digno do Teatro Brincante, fundado na Vila Madalena, Zona Oeste da capital paulista, pelo músico e ator pernambucano Antônio Nóbrega, um dos mais completos artistas brasileiros na atualidade. 

O espetáculo 

Apagam-se as luzes, a banda Dona Zefinha entra espalhando alegria com suas roupas coloridas, palhaços alegres e comoventes. A música contagia a garotada, que acompanha com palmas e gritos e participa com gosto. Os adultos também entram na festa. Todo mundo vira criança. Os atores apresentam jogos, danças e brincadeiras cantando composições do próprio Flávio Paiva, publicadas nos livros ´Flor de Maravilha´ e ´A Festa do Saci´. Duas delas – ´Marimbondo Azul´ e ´Festa do Saci´ – em parceria com o líder da banda, Orlângelo Leal. Simples como um conto infantil, o espetáculo ganhou em sonoridade e sofisticação com o suporte dos músicos paulistanos André Magalhães, na bateria e percussão, Luiz Waack, guitarra, e Paulo Lepetit, no baixo. E não faltou uma canja de Antônio Nóbrega, que encantou a todos com suas acrobacias ´procurando a lagartixa´. 

Objetiva na mão, o fotógrafo Maurício Bovi, tio de Gabriel Ribeiro, que trabalha há mais de seis anos com cerca de 80 jovens da Zona Sul vitimados pelas drogas, violência e desagregação familiar, registrou todo o show. Estava emocionado. ´Foi uma experiência gratificante trazer os meninos para assistir´, disse. ´Espetáculos como esse são fundamentais para manter acesa a alegria das crianças e recuperar o encanto perdido pelos adultos´. Gabriel é contundente. ´Que show! Que banda boa! Nunca tinha visto banda com palhaço´.

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Chico César conferiu o lançamento do livro do amigo: “Tenho o maior respeito e admiração por sua militância cultural, sua luta para incluir o adulto no mundo das crianças e vice-versa, trabalhando sempre sem fazer concessões” 

admiração geral de uma platéia que, entre outras personalidades, contou com a presença da cantora cearense, radicada em São Paulo, Mona Gadelha, e do cantor e compositor Chico César, que veio acompanhado de um convidado especial, o pianista congolês radicado na França Ray Lema. Divertiam-se lado a lado o pesquisador e escritor paulistano Vladimir Sacchetta, parceiro de Carmen Azevedo e Márcia Camargos no livro ´Monteiro Lobato – Furacão na Botucúndia´, e a escritora e contadora de histórias pernambucana Lenice Gomes, autora, entre outros, dos livros ´Na boca do Mundo´ e ´Quando eu digo digo digo´. 

Marcaram presença, ainda, a pesquisadora Neusa Meirelles, representando Julia Palácios, presidente mexicana da Associação Internacional para o Estudo da Música (IASPM). E a educadora Ana Lúcia Villela, presidente do Instituto Alana, organização da sociedade civil que mantém o Projeto Criança e Consumo. A interação das crianças, pais, personalidades e do público com os artistas constituiu-se em um espetáculo à parte. Ao cair da noite, Flávio Paiva iniciou a sessão de autógrafos. Na fila, a fisionomia das pessoas não deixava dúvidas. O lançamento foi um sucesso. 

Lançamento show 

Jornalista e colunista do Diário do Nordeste, Flávio Paiva, 50 anos, é natural de Independência, a 300 quilômetros de Fortaleza. Com 13 obras em seu currículo, seu novo livro ´Eu Era Assim – Infância, Cultura e Consumismo´ reúne artigos e crônicas que percorrem com visão crítica os caminhos da cultura, da educação, do respeito à criança, da literatura infanto-juvenil e dos meios de comunicação. Além de reminiscências e reflexões sobre o cotidiano, envolvendo desde sua família e amigos a pessoas que fazem educação a partir da cultura, sempre relacionadas com os direitos e deveres do cidadão, a sustentabilidade e o respeito à vida no planeta. 

´A obra de Flávio uniu-se à criatividade da Dona Zefinha e proporcionou um espetáculo, ímpar, de primeira linha, com situações que a gente vive no cotidiano e não se dá conta´, declarou o Diretor-presidente da Cortez Editora, José Xavier Cortez. O editor afirma que Paiva é uma das pessoas mais inteligentes que ele conhece. ´Tudo que ele faz é da melhor qualidade. Pessoas assim sofrem de certo esquecimento pela mídia, mas vão em frente porque o que não lhes falta é embasamento cultural e criatividade´. 

O polivalente Antônio Nóbrega testemunha: ´Conheci o Flávio há cerca de dez anos em Fortaleza e tenho enorme identificação com o que ele faz. Seu trabalho, voltado para as coisas em que eu acredito, estabelece e amplia um diálogo maior entre nós. Minha admiração aumenta pela sensibilidade com que ele trata assuntos envolvendo as crianças, a educação e as artes. Gostei demais dessa parceria com a Dona Zefinha, cuja interpretação do gênero infantil vi pela primeira vez´. 

Chico César acrescenta: ´Conheço Flávio há muitos anos, tenho o maior respeito e admiração por sua militância cultural, sua luta para incluir o adulto no mundo das crianças e vice-versa, trabalhando com temas como brinquedos e brincadeiras, ecologia e respeito à natureza, entre outros, sem fazer concessões´. 

Vladimir Sacchetta, companheiro de jornada na literatura, destaca: ´Flávio Paiva é um homem de sete instrumentos. Ele é jornalista, escritor, ensaísta, poeta, compositor, sabe trabalhar bem todas as linguagens, sempre comprometido com a brasilidade. Tanto que tem como inspiração o escritor Monteiro Lobato. Nas questões culturais, suas idéias são cosmopolitas, com o olhar voltado para as culturas local, nacional e internacional´. 

A escritora Lenice Gomes completa: ´Flávio encanta pela sensibilidade com que trata todos os temas que se propõe a estudar e analisar. Com esse livro, não é diferente. Não sabia que ´Flor de Maravilha´ e ´A Festa do Saci´ tinham um espetáculo com banda e palhaços . Fiquei encantada, foi uma verdadeira celebração da palavra, um tributo à literatura oral. A recuperação do mito do Saci encanta crianças e adultos. Trabalhos como esses devolvem a esperança às pessoas´.