Há pessoas que só nos engrandecem a cada vez que as encontramos. No domingo passado (22), senti-me mais pleno depois de uma manhã na companhia do compositor Ronaldo Lopes (60). Com gestos que lembram o ascetismo e expressões próprias de quem confere merecimento à experiência vital, ele segue demonstrando que os passos humanos cruzam a consciência das complexas e apaixonantes relações com o mundo.

Visitei o Ronaldo em sua casa, na cidade de Maracanaú, desejoso de saber do seu processo de recuperação após dois AVCs e para conversarmos sobre o andamento das nossas mais recentes parcerias. De lá, seguimos para o Café com Arte, em Maranguape, onde atualizei-me de como ele consegue integrar vida diária e destino, colocando o coração na perspectiva da alteridade.

Mostrei-lhe os áudios das nossas composições (que estarão disponíveis nas plataformas de músicas digitais a partir de 1º de outubro), e ele comentou: “Elevemos a aura do mundo em chamas com nossas canções”. Antes mesmo de dizer que havia gostado da produção musical de Claudio Mendes e TÓRI, Ronaldo Lopes referiu-se ao que está acontecendo no Planeta e realçou a responsabilidade de cada pessoa na reversão da tragédia.

Pensar no outro foi uma das práticas de cura de Ronaldo: ele não se conformou com a possibilidade de partir deixando aos cuidados somente da mãe a filha, que tem comprometimentos cognitivos. 

Esforçou-se para não ter a própria chama apagada, por considerar que a parafina da sua vela física, artística e espiritual ainda não foi totalmente consumida. Recebeu como resposta das fontes divinas, dos alimentos germinados e da arte a oportunidade para deixar tudo às claras sobre o caminho a seguir.

Ronaldo Lopes no Café com Arte, em Maranguape. Foto: Flávio Paiva (22/09/2024).

Em Vela, uma de nossas parcerias, gravada por Nayra Costa (2019), tomamos a vida aparentemente simples dos jangadeiros como inspiração para afirmar que são as velas que nos orientam na vida, e não os ventos. Ronaldo Lopes nasceu no bairro litorâneo do Pirambu, em Fortaleza, e traz consigo o aprendizado e a crença de que o segredo da realização humana está na habilidade de manusear, a todo instante, os instrumentos de navegação na operacionalização do viver.

Encontrei um Ronaldo em perfeita altivez, contando de si, sem lamentos ou transferência de incômodos; pelo contrário, com uma fala poética anímica, como se de sua bengala saíssem alguns dos acordes excêntricos que sempre o caracterizaram. Lembrei-me de quando compusemos a cantiga O Jogo dos Pensamentos, registrada por Luana Baptista (2023), e sustentamos que a mente precisa se divertir e o coração balançar para que os pensamentos aconteçam.

Ronaldo Lopes tem uma história na música e em participações comunitárias periféricas que traz a força do legado da imigração de sua família do sertão de Quixadá para Fortaleza, ganhando impulso, na década de 1970, nos movimentos culturais do Pirambu. Seu nome está naturalmente associado aos de João Pirambu, Johnson Soarez, Júnior Pirão, Liduíno Pitombeira, Marcos Melo, Myrlla Muniz, Ocello Mendonça, Rosemberg Cariry e a outros que têm lugar de destaque na produção independente cearense.

É com alegria que conto com o brilho da luz do viver de Ronaldo Lopes na construção do meu novo livro infantil, Brincadeira de Cantar, que será lançado em show da cantora indígena TÓRI, cria do bairro Bom Jardim, dia 13 de outubro, como parte da programação da Estação das Artes para as crianças. Em frente, parceiro!

Fonte
Jornal O POVO