O Povo, Vida & Arte, 21/11/2000
Somente a valorização do que temos de mais especial no nosso jeito imperfeito de descobrir saídas para o futuro pode quebrar a cultura da destruição que predomina na nossa busca cega pela sobrevivência.
Toda vez que lanço um trabalho passo por um processo de depuração autoral sentimentalmente engraçado. Sinto uma necessidade enorme desse flerte do desapego. O processo d elaboração é tão envolvente e tão revelador do nosso ser que, independente da área abordada e da natureza da obra, publicar é reproduzir milhares de vezes para o desconhecido parte da nossa intimidade e do jeito de observar e sentir o mundo. A multiplicação nesse caso contribui para tornar única a obra para a qual o autor dá o máximo de si. A despeito das circunstâncias e do grau de amadurecimento do olhar de quem se expõe, a liturgia da publicação deve ser seguida de um Hoc est corpus meum. Uma obra parece mais verdadeira quando o autor pode dizer “isso é o meu corpo”.
Sempre gostei de apreciar o mundo reformulando as informações que me chegam a todo instante. Faço isso com naturalidade. Nas oportunidades que me aparecem ou que crio para ter o prazer de retribuir esse aprendizado em forma de disco, livro, vídeo, histórias em quadrinhos, palestras e nas mais variadas publicações que tenho participado, procuro estar presente com inteireza, como forma de valorização do esforço, respeito ao outro e, só assim, poder sentir que vale a pena transbordar.
Uma das coisas que mais me intrigam, com toda a evolução da humanidade, é o quanto ainda permanecemos com a atração de procurar por defeitos tendendo a ser mais exaltada do que o prazer de encontrar soluções. Esse senso tem promovido a treva e concedido poderes imensuráveis aos que turvam a existência. Talvez a inversão dessa ordem que privilegia a destruição seja a mais estimulante das tarefas que precisamos assumir no século XXI.
Faço essa reflexão no momento em que aprecio, com o típico olhar apaixonado de despedida, a capa do livro que estou lançando em parceria com João de Paula Monteiro, Os 5 elementos – a Essência da Gestão Compartilhada no Pacto de Cooperação do Ceará. Tento ler o título como se eu fosse um desconhecido. A capa elaborada pelo professor Jesuíno, com o jogo rupestre e futurista que ele fez com as ilustrações do Mário Sanders, é encantadora. Bate forte a emoção incontrolável de cearensidade. A mesma pulsão que nos levou a praticamente exigir da editora Qualitymark que esse livro tivesse a cara do Ceará. E tem.
Nos quase dez anos de existência do Pacto de Cooperação, João e eu acompanhamos de perto os altos e baixos do espírito quase biológico desse movimento. Embora discordando um do outro com relação a muitos aspectos, conseguimos fazer um recorte daquilo que consideramos comum para nós, enquanto valor disponibilizável dessa ação de cidadania, que é a sua essência de Gestão Compartilhada. Pareciam intermináveis as nossas discussões na busca do que poderia caracterizar o Pacto como uma expressão genuína de esforço cidadão, que tanta curiosidade vem causando a lideranças de tantos outros lugares. O caráter orgânico, responsável pela sobrevivência desse fenômeno dava muitas pistas mas era como se a gente quisesse saber dos cinco sentidos tendo como objeto de estudo a sensação térmica, o pressentimento e a lembrança prazeirosa, dentre outros estímulos abstratos.
Foi divagando por esse campo, de fonte primária, que conseguimos, enfim, chegar aos elementos da Cooperação, Pluralidade, Informalidade, Virtualidade e Catálise, como síntese do espírito de uma experiência incipiente de mobilização, que se desenvolve nas interfaces dos agentes da sociedade civil, do estado e do mercado para a construção de convergências. Como mecanismo de inclusão pelo diálogo e pelo consentimento, os 5 Elementos sugerem que estamos com um bem de gestão compartilhada em nossas mãos. O que vamos fazer desse achado, só o futuro dirá.