O GLOBO. Sábado, 11 de setembro de 2004

Isabela Martin e Leticia Lins, FORTALEZA e RECIFE

Em Pernambuco e no Ceará, o difícil acesso aos principais centros de distribuição do país

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FLÁVIO PAIVA: o autor lançou na 6ª Bienal do Ceará 
“Flor de Maravilha”, que ele chama de superprodução

Ao longo do século XX, Pernambuco revelou um time de poetas e escritores cuja obra é conhecida em todo o país e até no exterior: Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Gilberto Freyre. Hoje, no entanto, conta com escritores premiados e consagrados no estado mas pouco conhecidos no Sul do país, como os romancistas e contistas Luzilá Ferreira Gonçalves, Cláudio Aguiar, Gilvan Lemos, Marcelino Freire e Ronaldo Brito, entre outros.

Como se isso não bastasse, o estado vem revelando gerações sucessivas de bons poetas, muitos dos quais se firmaram a partir da década de 60, mas que só agora começam a publicar por editoras maiores do Sul do país.

Coleções abrigam parte do universo poético de Recife 
Entre estes encontra-se a chamada “Geração 65” , formada por poetas admirados e reverenciados no Nordeste, mas pouco conhecidos no eixo Rio- São Paulo, como Alberto Cunha Melo, Jaci Bezerra, Ângelo Monteiro, Marcus Accioly. Outros também considerados muito bons pelos críticos nunca publicaram um só livro, embora integrem várias antologias poéticas, como é o caso de Esman Dias.

— Temos nomes na “Geração 65” com grande qualidade poética, mas que nunca extrapolaram Pernambuco. Alguns, como Alberto Cunha Melo, só agora estão conseguindo publicar por editoras nacionais. São poetas que têm grande talento, mas que são mal publicados sempre — afirma o crítico pernambucano Mário Hélio.

Os anos 70, por sua vez, revelam poetas como Pedro Américo (já publicado no exterior) e Wilson Souza Araújo, que, segundo o primeiro, “é uma tonelada de poesia”. Ao longo das últimas duas décadas, começou a surgir uma outra geração, os chamados independentes, e por fim os marginais. Mas são tantos que a Fundação de Cultura da Prefeitura do Recife terminou lançando mão de coleções destinadas a abrigar parte do universo poético da capital, como as coletâneas “Marginal Recife”, “Invenção Recife” e “Estação Recife”, que revelaram nomes que começam a se firmar no cenário nacional, como é o caso de Micheliny Verunschk, autora do livro “Geografia íntima do deserto”, que está entre os finalistas do Prêmio Portugal Telecom.

Segundo a diretora do Departamento de Literatura e Editoração da Fundação de Cultura do Recife, Heloísa Arcoverde, a prefeitura recebe uma profusão de pedidos de publicação de poetas recifenses.

— A nossa proposta não é operar milagre editorial, mas mapear a poesia da cidade — diz Heloísa.

Na Bienal do Ceará, dezenas de obras de autores locais 
Dezenas de autores cearenses prestigiaram a 6 Bienal Internacional do Livro do Ceará, encerrada na terça-feira, lançando obras inéditas. Pelo menos 30 livros foram autografados só no estande da secretaria de Cultura do Estado nos 11 dias de feira. Esses escritores não foram vendidos como a principal atração, nem atraíram multidões, feito conseguido por Carlos Heitor Cony com o público juvenil. Ao contrário do que acontece com os autores nacional e internacionalmente conhecidos, o talento deles não pode ser medido pelo reconhecimento das grandes editoras, nem da mídia, mesmo a regional.

A oportunidade de ter um livro publicado por uma editora nacional é uma conquista de poucos. O jornalista Lira Neto, com “Castello” (Contexto), e o sociólogo Ruy Câmara, com “Cantos de outono” (Record), são exemplos de cearenses que conseguiram transpor a cerca e pular para outra esfera que lhes deu mais notoriedade, até junto aos conterrâneos. Isso foi possível ao colocarem os pés nos principais centros de produção e distribuição cultural do país.

Há oito anos ocupando a cadeira 19 da Academia Cearense de Letras, o professor e poeta Juarez Leitão tem 28 livros publicados por quatro editoras regionais. Ele se lançou na literatura com o livro de poesia “Urubu Rosado” (1981), que tirou o segundo lugar num concurso patrocinado pela secretaria de Cultura do Estado. Mas foi com “Tangenciais” (1987) que conseguiu chamar atenção da crítica literária. Dos contatos feitos na Bienal pode surgir a chance de ver seu mais novo livro publicado por uma editora “de fora”.

Estar sempre fazendo coisas diferentes, como histórias em quadrinhos, matérias jornalísticas, música ou literatura infantil, parece ter ajudado o jornalista e escritor Flávio Paiva a transpor algumas barreiras. Ele lançou na Bienal “Flor de Maravilha”. Uma das mais novas apostas da Editora Cortez, de São Paulo, que só recentemente resolveu investir no segmento infantil, “Flor de Maravilha” é uma “superprodução” cearense — o livro é acompanhado de um CD e partituras.

Não é o primeiro livro de Paiva. Mas ao receber em mãos, aos 45 anos, “Flor de Maravilha”, impecável plasticamente, o autor ficou surpreso: 
— Deitei numa rede e fiquei admirando o livro.