DIÁRIO DO NORDESTE – Caderno 3 – Fortaleza, 27 de julho de 1997
CD desafia definições contemporâneas unindo referências do Ceará, Maranhão e São Paulo
FAC-SÍMILE
Vem sendo uma tendência nacional o aparecimento de misturas rítmicas que vão do regional ao pop, ganhando nas paredes dos seus sucessos rótulos como mangue-beat e forró progressivo. Agora, um novo disco chega ao mercado para dificultar a vida dos que procuram enquadrar também a sempre renovada música brasileira. “Terra do Nunca” vai além das fusões trazendo em sua essência o fio de brasilidade que costura a estética e o sentimento miscigenado encontrado na obra do jornalista e compositor cearense, Flávio Paiva, na interpretação forte da cantora maranhense Anna Torres e no apuro técnico do baixista Paulo Lepetit, de São Paulo.
O virtuosismo a três cabeças apontou para uma visão litero-musical migrante e urbana, com sofisticada e contemporânea roupagem conceitual sem subordinação à razão. O disco explora arquétipos dos 500 anos do Brasil em linguagem inovadora, com potência poética e sonoridade puxada do techno-rock ao xote-rap passando pelo pop-soul e o pulsar fankeado que agita a urbanidade brasileira. A temática da rua, da vida a céu aberto e da invenção do romantismo preso no elevador fazem o pesponto que prende e ornamenta esse programa comum de prazer artístico vivenciado em um mundo que gira longe dos umbigos individuais.
São doze composições marcadas pela riqueza da diversidade possibilitada por uma sociedade irreverente em sua pluralidade étnica e cultural. “Terra do Nunca” é um disco que tem o que dizer e o que escutar. A paisagem de estilos é agradavelmente experimental e o sotaque é muito bom. Entre os parceiros de Flávio Paiva, estão nomes como o do renomado percussionista maranhense Papete, do bluesman paulista Edvaldo Santana e das cantoras cearenses Kátia Freitas e Mona Gadelha, que assina também a produção executiva. O disco já está disponível aos interessados na equação de R$ 1 Real por faixa. Quer dizer, custa apenas R$ 12,00 e pode ser adquirido na Tukano Arte e Literatura (085) 261-0421. Os shows de lançamento com banda já estão marcados para agosto: Dia 28, no Brahma Cultural/Domínio Público (Praia de Iracema), dia 29, no Projeto BEC 6 e Meia (Praça Mestre Pedro Boca Rica/Anexo do TJA), dia 30, no Brahma Cultural/The Wall (Aerolândia) e dia 31, na Praia de Canoa Quebrada (em frente a estátua do Dragão do Mar).
Além da voz encorpada e com timbre muito próprio de Anna Torres, “Terra do Nunca” conta com a participação especial do reggae-rapper Rica Caveman (banda Nomad), do inimitável trombonista Bocato, da lendária guitarra tropicalista de Lanny Gordin e do casal indiano Harbans e Ved Arora que declama trechos em hindustani transcritos do filme Taj Mahal, do cineasta Sadiq. Tudo potencializado pelo caráter de experimentação exaltante da produção musical de Paulo Lepetit e seu conhecimento acumulado de dez anos trabalhando com Itamar Assumpção, com banda própria ou acompanhando respeitados intérpretes nacionais tais como Ná Ozzetti, Ney Matogrosso e Cássia Eller.
O sentimento mestiço de coração migrante do CD “Terra do Nunca”, simbolizado ao longo do livreto por uma lamparina feita artesanalmente por Flávio Paiva em recipiente de lâmpada elétrica, é um ponto de luz sobre as cidades brasileiras, mas com origem em interiores distantes. Flávio Paiva nasceu na cidade de Independência, nos Inhamuns, árido sertão do Ceará, Anna Torres em Lago da Pedra, na faixa amazônica do Maranhão, e Paulo Lepetit em Rio Claro, interior paulista. Antes do encontro neste trabalho produzido pelo selo cearense Plural de Cultura, todos já tinham feito seu próprio disco: “Rolimã” (Camerati), “Anna Torres” (independente) e “Le Petit Comitê” (Baratos Afins).