Jornal O Povo, 07/02/2009
O POVO na Educação

“Escrever é uma forma de ver” 
Haroldo de Campos 

Esta semana estava lendo as respostas que os leitores enviaram à pergunta: “Que conto de fadas você gostaria que virasse realidade e por quê?”, feita numa promoção do Clubinho em parceria com a Walt Disney, em função do filme “Um faz de conta que acontece”. Engraçado como o desejo do “…E foram felizes para sempre” apareceu em todas as respostas. E olha que foram mais de 200, vindas de crianças, adultos e idosos (mas o Clubinho só premia crianças!). Impossível não me perguntar: que tipo de “feitiço” há por trás dos clássicos infantis, dos contos de fadas e das fábulas, que é capaz de conquistar gerações e gerações de crianças, durante séculos? Os puristas vão argumentar contra, mas… que menina nunca sonhou com um príncipe encantado, como os de “Cinderela”, “A Branca de Neve”, “A Bela Adormecida” ou “A Bela e a Fera”? Que menino não desejou ser o príncipe encantado delas? Quem nunca teve medo do Lobo Mau, da “Chapeuzinho Vermelho”? Quem não associa a palavra “madrasta” à maldade por conta da Branca de Neve? Quem nunca teve um anão de jardim? Quem nunca sonhou em sair voando pela janela do quarto e ir até à Terra do Nunca, onde todos são crianças para sempre? Quem nunca sonhou em encontrar uma lâmpada mágica e realizar três grandes desejos? Quem nunca se pegou esperando o nariz crescer, ao contar uma mentira, como aconteceu com “Pinóquio”? E, por fim, quem, entre todos nós, nunca desejou um “…E foram felizes para sempre”? 

Por séculos, desde os medievais – passando por Hans Christian Andersen e pelos irmãos Grimm – até os dias de hoje, os contos de fada, repletos de fantasia, sempre encantaram os corações de crianças e adultos no mundo inteiro. E a causa de tamanho encanto? O escritor e literatura infantil Flávio Paiva arrisca uma resposta: “A literatura que normalmente ultrapassa os limites do espaço e do tempo é aquela feita ao calor da trama cotidiana, a que revela honestidade no sentimento do autor, a que toca o humano na sua dimensão mais essencial. Foi assim com a fixação das fábulas nascidas na oralidade da Idade Média, nos livros das maravilhas de Marco Polo, nos contos de Sherazade, nas aventuras de Huck Finn e no Sítio do Picapau Amarelo”. Segundo estudos de história social, existem valores que ao longo do tempo, pouco se modificam em sua essência. E os clássicos da literatura infantil têm muitos desses ingredientes: o medo da morte, a valorização da justiça, o desejo que o bem vença o mal, o desejo de amar e ser correspondido, a luta para concretizar sonhos, a capacidade da superação, a premiação da verdade e da coragem e… a magia. É tanto que algumas escolas, mesmo no Fundamental II, ainda trabalham com os clássicos. “São obras que expressam aspectos universais do que há de mais autêntico na cultura da infância, que é a liberdade de brincar, de imaginar, de se danar e de ser feliz”, complementa Paiva. O filme “Um faz de conta que acontece” brinca um pouco com isso, com esse desejo de que uma vida sacrificada se torne um conto de fadas. Mas, no filme, o encantamento só se dá se os acontecimentos forem imaginados pelas crianças. No entanto, suas mensagens, assim como as dos clássicos, são relevantes não só para elas, mas para toda a humanidade. 

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