Olhares sobre o consumismo
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno3, pág.3
Quinta-feira, 24 de Novembro de 2011 – Fortaleza, Ceará, Brasil
Educadores, pais, psicólogos, nutricionistas, publicitários, advogados, comunicadores, programadores de televisão, ativistas de cidadania orgânica, estudantes, pesquisadores e estudiosos do consumismo, não poderiam ter melhor presente de final de ano do que a série “Videoentrevistas Criança e Consumo”, que esta sendo lançada pelo Instituto Alana (www.alana.org.br) num estojo com quatro DVDs.
Organizada em blocos temáticos voltados para aspectos da mídia e identidade, comportamento e cultura infantil, educação, ética e questões jurídicas, a série entrelaça angulações no esforço de honrar a criança, frente aos impactos negativos da publicidade e da propaganda dirigida ao público infantil. Os entrevistados da diretora Estela Renner são membros do Conselho Consultivo do Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana.
Falam de “Mídia e Identidade”, a psicanalista Ana Olmos, do Conselho de Acompanhamento de Rádio e TV, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal e o professor Pedrinho Guareschi, autor de “Comunicação e Poder”, também conhecido pelos textos que por décadas publicou no jornal “Mundo Jovem”, da PUC do Rio Grande do Sul. O foco do DVD 1 é a circulação de valores nas comunidades de comunicação e seus efeitos na formação de consciência, afeto e estilo de vida.
No DVD 2, “Comportamento e Cultura Infantil”, a professora Inês Vitorino, coordenadora do Grupo de Pesquisa da Relação Infância, Adolescência e Mídia (Grim), da UFC, a professora Solange Jobim, da PUC-RJ, autora do livro “A subjetividade em questão: a infância como crítica da cultura”, e eu, na condição de jornalista que dá atenção ao tema e de autor de literatura e música infantil, fazemos considerações ao estado da nova infância, numa realidade marcada pelas contradições entre a multiplicidade de fontes de informação e as tendências de padronização comportamental.
O tema “Educação e Mídia” é tratado pelo advogado José Eduardo Romão, que desempenhou papel de grande relevância no processo de classificação indicativa do audiovisual brasileiro, quando diretor no Ministério da Justiça, pelo psicólogo Yves de la Taille, professor do Instituto de Psicologia da USP e autor de “Moral e Ética – dimensões educacionais e afetivas”, e do médico José Augusto Taddei, professor de Nutrologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Neste DVD 3, eles comentam os limites entre liberdade de expressão e proteção da infância e sobre o consumismo como fator de fragilidade psicossocial e nutricional de meninas e meninos.
E para completar essa rodada de depoimentos em vídeo, os advogados Marcelo Sodré, procurador do Estado de São Paulo, presidente do Conselho Diretor do Greenpeace no Brasil e membro do Conselho do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), e João Lopes, primeiro Promotor de Justiça dos Interesses Difusos e Coletivos do Consumidor, do Ministério Público de São Paulo, e o professor Clóvis de Barros Filho, da Escola de Comunicação e Artes da USP, opinam no DVD 4 sobre “Visão Ética e Jurídica”, no âmbito do consumismo na infância.
Como dá para notar, a série “Videoentrevistas Criança e Consumo” é muito oportuna e urgente, no momento em que o consumismo entra em rota de intenso questionamento, como valor e filosofia de vida, pressionado pela ampliação da consciência ecoplanetária e pela crise instalada nas entranhas dos centros econômicos dominantes. No meio dessa turbulência, potencializadora de problemas ambientais e da saúde pública, a principal vítima é a criança, enquanto alvo de caçadores de consumidores.
Vi e ouvi de perto o diretor do Conselho Econômico da Casa Branca, Lawrence H. Summers, dizer no dia 26 de outubro passado, por ocasião do Encontro Nacional da Indústria, realizado no Transamérica Expo Center, em São Paulo, que a estratégia dos Estados Unidos para sair da crise é a promoção de um aumento substancial de demanda. Ele chegou inclusive a cobrar mais abertura do mercado brasileiro, para que sejamos “fornecedores de mais demanda”. Esta saída por uma nova agenda de ampliação de consumo repete a fórmula que deu certo na crise de 1929, quando os recursos do planeta pareciam inesgotáveis, mas hoje deveria estar fora de cogitação.
A triste perspectiva aponta para mais pressão consumista e a alegre expectativa sinaliza para a ampliação de alternativas sustentáveis ao estado de degradação social e ambiental a que chegamos. O conflito que está posto se dá entre a coisificação da vida e a elevação do sentido do viver; entre a aposta nos valores de ocasião e na afirmação do ser simbólico. São cenários bem distintos, mas com tangências pela infância, quer encarando a criança como mera consumidora, quer considerando-a pela grandeza da sua predisposição de olhar o mundo amando.
O afluir de consciências despertas para a necessidade de remodelagem dos padrões de vida inspirados nos exageros do consumo, dão um certo alento a quem acredita que outros caminhos são possíveis. No ano de 2005, enquanto o Instituto Alana lançava o projeto Criança e Consumo, o compositor Chico César estava lançando o CD “De uns tempos pra cá”. A voz de Chico dizia assim: “Coisas são só coisas / servem só pra tropeçar / Têm seu brilho no começo / mas se viro pelo avesso / são fardos pra carregar”; a palavra da presidente do Instituto Alana, Ana Lúcia Villela, ressoa assim: “Temos vivido um mundo cada vez mais entulhado de objetos e valores dos quais não precisamos”.
A ideia de evitar que as crianças sejam assediadas pela comunicação mercadológica, que é o principal compromisso do projeto Criança e Consumo, vem pouco a pouco conquistando parlamentares brasileiros. Desde 2001 que o Projeto de Lei 5.921, do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR) vem se arrastando pelas comissões da Câmara Federal. Ao completar dez anos, neste 2011, o deputado Emiliano José (PT/BA) realizou um seminário sobre esse PL, com a participação de empresários, publicitários, advogados de empresas e representantes de organizações e órgãos que defendem a infância e o consumidor. O resultado desse debate está em análise pelo relator, deputado Salvador Zimbaldi (PDT/SP).
Assim como o PL 5.921/2001, outros projetos de lei tramitam no Congresso Nacional, na tentativa de proibir a publicidade em escolas de educação básica (PL 507/2011) do deputado Welinton Prado (PT/MG) e de impedir a veiculação de publicidade direcionada a menores de 12 anos, entre 7h e 22h (PL 702/2011), do deputado Marcelo Matos (PDT/RJ). Com relação à segurança alimentar e nutricional, outros projetos circulam pela Câmara e pelo Senado, levando em conta à prevenção dos impactos da publicidade de alimentos e bebidas não saudáveis na formação da criança.
E o ano de 2011 termina com vários casos de empresas como Mattel, Lojas Americanas e Del Valle, que foram acionadas pelo projeto Criança e Consumo e multadas pelo Procon, por incentivar comportamentos violentos, propaganda enganosa e venda casada, dentre outros motivos. Cabe destacar ainda em 2011 o caso do autodesmascaramento do Conar, que se vendia como entidade voltada para os interesses da sociedade, mas, diante de denúncia encaminhada pelo Instituto Alana, solicitando a suspensão do comercial de lanches e brinquedos colecionáveis do McDonald’s, durante o trailler do filme “Rio”, reagiu agressivamente, deixando claro o seu papel de defensor exclusivo dos interesses de agências e seus clientes.