Extrato das falas de Josilda Ribeiro (presidente da Cooperativa Pirambu Digital), Flávio Paiva e Mauro Oliveira (idealizador do Projeto e Presidente do Conselho da Pirambu Digital).
Gravação: Andréa Pinheiro e Eriberto Sales
Fortaleza, 30 de janeiro de 2012
Josilda Ribeiro
O motivo de estarmos fazendo este lançamento é justamente para simbolizar a importância da nossa parceria com o Flávio Paiva e o quanto o fato de termos desenvolvido o site dele trouxe de visibilidade para a Pirambu Digital. É o que a gente precisa. É o que os jovens do Pirambu precisam. É o que a Cooperativa Pirambu Digital Precisa.
A Pirambu Digital já mudou muitas vidas de muitos jovens aqui do Pirambu, inclusive a minha. Terminei os meus estudos na escola pública aqui do bairro e não tinha perspectiva de futuro, não sabia o que era entrar em uma faculdade, fazer um mestrado, me profissionalizar. Então, isso eu conheci aqui dentro da Pirambu Digital. Eu e muitos outros jovens aqui do bairro, que encontramos na Cooperativa uma razão para estudar, para encontrar uma profissão.
A gente tem meninos aqui que começam sem saber nem ligar um computador. Então eles recebem curso de informática básica, depois aprendem informática mais avançada, pedem para ser voluntários, aprendem uma ferramenta nova, e depois disso eles já viram profissionais. Já estão trabalhando, desenvolvendo suas habilidades. E todo mundo aprende muito rápido, porque o pessoal aqui do Pirambu tem uma capacidade muito grande de aprender rápido.
Com a Cooperativa geramos renda no lugar onde vivemos, porque a Pirambu Digital é uma empresa, que tem seus cooperados, seus clientes e está fazendo muito bem para a comunidade.
Agradeço ao GGTIC-CE [Grupo de Gestores de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Ceará], na pessoa do Afonso Caetano, que indicou o nosso trabalho. Obrigado pela presença de vocês e pela participação do jornalista Flávio Paiva e do professor Mauro Oliveira.
Flávio Paiva
Estou contente porque temos aqui uma confraternização de todas as pessoas que participaram do projeto: a Nathália, que cuidou do dia-a-dia da minha relação com a Pirambu e da postagem dos conteúdos; a Raíssa, que fez a pesquisa no banco de dados dos jornais, preparou os pdfs dos artigos e dos ensaios e está aqui hoje fazendo as fotos; a Andréa, que ajudou em tudo, inclusive dando a ideia da produção do video do lançamento, feito pela Comunik Filmes; e a toda a equipe da Pirambu Digital, especialmente ao João Paulo [diretor comercial], ao Hélio [diretor de tecnologia], à Samara (design), ao Bruno [parte técnica], à Josiane [DAF], à Elaine [eventos] e a
Jocilda [presidente]. Sinto-me contente também porque a expectativa que eu tinha de um site limpo e com acesso prático aos conteúdos, foi atendida, tanto graficamente quanto tecnicamente, pela equipe da Pirambu Digital.
Convidei o professor Mauro Oliveira para estar aqui hoje, porque queria agradecê-lo pessoalmente por ser um sonhador que realiza. Estamos aqui somando sonhos, crenças, maneiras de ser e de colocar a vida em prática. Quando a Pirambu Digital estava sendo criada, há seis anos, encontrei com o professor Mauro em um avião e, naquele momento, ele me deu um folder sobre a Cooperativa. Fiquei muito interessado pelo que li e pelo que ele me falou dessa atividade econômica e social, que nascia com base no conceito de apropriação pelos jovens da comunidade e seu entorno. E, depois disso, somente uma ou outra vez ouvi falar desse projeto.
Enquanto isso, aumentava a demanda por uma atualização do meu site. É que recebo muitas solicitações de professores que querem autorização para reproduzir meus textos para estudantes, tanto de escolas infantis como nas universidades, o que deriva para pesquisas de estudantes que querem informações curriculares e aprofundamento de temas. Recebo também pedidos de gestores públicos e de administradores de blogs para debate e publicação.
Apesar da pouca visibilidade que podemos ter na atual guerra travada no mercado internacional de conteúdos, tomei a decisão de que faria um novo site, liberando logo tudo o que tenho a liberar. Foi daí que criei um selo de “Cultura Livre Brasileira”, com precauções voltadas apenas aos usos comerciais, políticos, religiosos, alterações de originais e produção de obra derivada. Claro que as minhas obras que estão sob contrato de comercialização exclusiva eu não poderei disponibilizar.
Durante a busca por quem poderia redesenhar o meu site com as características de valorização social dos conteúdos, mas também com as precauções que as circunstâncias recomendam, que um dia, conversando com o Afonso Caetano, um dos membros do GGTIC-CE [organização privada criada em 2010 com o intuito de capturar sinergias entre as empresas que atende e de promover a capacitação tecnológica por meio de projetos sociais], ele sugeriu que eu procurasse a Pirambu Digital. Fiquei contente por saber que o sonho do professor Mauro vingara, mas fiquei pensativo, sem entender muito bem as razões dessa lembrança não estar de vigília na minha cabeça.
No dia em que sentei com a Jocilda, para tratarmos do lançamento do site, ela me perguntou se eu poderia indicar alguns contatos de possíveis interessados em trabalhar com a Pirambu Digital. Imediatamente despertei para o que poderia ter despertado antes. E falei que posso contribuir com o que eles mais precisam, que é repercussão para o que são e o que fazem. Expliquei: “Vocês fizeram um trabalho do qual estou bem satisfeito e o que posso fazer é espalhar isso para que outras pessoas tomem conhecimento, acessem, vejam como ficou bom e se interessem”. E a Jocilda foi muito certeira quando disse em sua fala de abertura que o que a Pirambu Digital e seus associados precisam é de um amplo reconhecimento pelo que efetivamente fazem.
Mauro Oliveira
Bom, pessoal, eu queria dizer que a presença do Flávio, lançando a página dele aqui, não é um evento a mais. Ele tem uma energia que tem muito a ver com essa casa. Aqui era um depósito de objetos velhos recolhidos pelo Emaús para conserto e reciclagem. Por uma decisão muito especial do Emaús este espaço foi cedido para o funcionamento
da Pirambu Digital. Foi a pedra fundamental. Depois veio a adequação da estrutura e tudo em situações muito difíceis. Nos períodos de chuva era uma loucura. Não sei como não aconteceu um acidente. Podemos dizer que a construção do espaço da Cooperativa contrariou qualquer estatística; o que me levou a deduzir que, na linguagem da minha mãe, enquanto eu arranjo a minha, este é um local abençoado.
Em 1993, ao retornar do doutorado na França, vi o trabalho desenvolvido pelo Movimento Emaús na rua Santa Elisa, evitando que as crianças ficassem nas ruas porque a situação do bairro era socialmente complicada. Ao retornarem da escola elas ficavam numa casa, a Casa da Criança. Sem saber muito o que fazer, resolvi, então, pegar um ônibus do CEFET, que na época se chamava Escola Técnica Federal, e levar as crianças para fazer o que elas não tinham condições de fazer no bairro; coisas como tomar banho de piscina e usar computador. O fato é que quando o ônibus da Escola entrou na rua Santa Elisa, travou-se um diálogo que nunca escqueci, entre uma criança que estava dentro e outra que corria atrás do ônibus:
– Abestado, tu tava onde?
– Abestado é tu; eu tava na escola TEC!
– Abestado, tu pensa eu tu me engana, aquela escola não é pra tu não!
Esta foi a cena mais importante que presenciei na minha vida de educador. Fiquei pensando nessa última frase. Como é que uma escola pública não estava no imaginário de possibilidades daquele menino de periferia. Eu diria que esse episódio me inspirou a pensar na criação do Pirambu Digital. É um projeto relativamente barato, que tem resultado, que mexe na autoestima das pessoas. Tenho dito que educar não é dar tablets nem lousa digital; educar é permitir o florescer da autoestima, para que esses jovens sejam felizes.
A Pirambu Digital, eu dizia há pouco ao Flávio, talvez seja a maior experiência da minha vida profissional. Já fui Secretário de Telecomunicações e diretor do CEFET, mas essa foi a experiência que mais me surpreendeu, a que não estava prevista, a que de forma extraordinária permitiu a jovens se realizarem profissionalmente, emocionalmente e como seres humanos, no lugar onde vivem. Eu, que já tive cerca de dez mil alunos, tive uma crise de consciência quando me dei conta de quantos jovens eu, ao formá-los, tirei dos seus bairros. É que na nossa cultura quando alguém ascende social e economicamente a tendência é escapar para um lugar melhor. Neste projeto, acontece o contrário, os jovens não precisaram ir buscar a felicidade fora. O lamentável é constatar que um bairro como este, com mais de 350 mil pessoas, não tenha sequer uma faculdade.
Eu diria que a presença do Flávio Paiva nesse lançamento é um marco; não pelo fato em si da página dele, que é muito importante, mas eu sinto a sensibilidade que ele aporta, a sensibilidade de cidadão, porque o Flávio é um cidadão que exercita de fato a cidadania, que se expõe. Ao decidir fazer a sua página aqui, ele disse com atitude o que talvez as palavras não dissessem; é a prática que transcende o discurso. Pedi a colaboração dele para nos ajudar a pensar a Pirambu Digital numa nova fase, uma fase mais audaciosa, que transcenda o seu objetivo inicial. Esta Cooperativa não é mais apenas um projeto social. Pode olhar que numa hora dessas, está todo mundo gerando renda, trabalhando para ser feliz. E para se realizar, não é preciso deixar o bairro. Os jovens formam a base do projeto, mas todos os que direta ou indiretamente estão ligados a eles também se beneficiam. De vez em quando os pais vêm por aqui.
Estou contando essa história para dizer que a energia que fez com que essa casa nascesse e permanecesse em sua missão tem muito a ver com a energia do Flávio Paiva; uma energia de paz, uma energia do bem. Na qualidade de presidente do Conselho Deliberativo peço à Josilda que convide o Flávio para ajudar a repensar esse projeto e a dimensão do seu impacto, caso tudo isso fosse uma política pública.
Finalizando, pensei em ler uma poesia, como forma de agradecer a presença do Flávio. A minha ideia era exatamente ler uma poesia intitulada “Inveja” que eu fiz para homenagear os artistas que, como é o caso do Flávio, transcendem à vida. E a culpa não é deles; eles apenas extravasam, publicam. E, para publicar sua página, ele pegou a melhor produtora, que é a Cooperativa Pirambu Digital.
Digo aos meus alunos que não sou cantor, mas eu canto, que não sou poeta, mas faço poesia. E como são duas coisas que eu faço realmente, eu falo assim para poder mexer naquilo que é o motor deles. Eu digo que esses meninos são como pólvora… e que a pólvora pode mofar e pode explodir, mas pode ser ignição de uma grande obra que é a vida de cada um deles.
Uma vez caiu nas minhas mãos um livro de William Shapeskeare, embora eu goste mais de ler Patativa do Assaré [Mauro pronuncia Assaré com sotaque britânico], porque disseram lá no CEFET que eu era um doido, que o pessoal aqui estava perdendo tempo com esse negócio de cooperativa de jovens. E na formatura da primeira turma a Elaine leu o seguinte trecho: “Nunca diga aos jovens que os seus sonhos são impossíveis. Nada seria mais dramático. Seria uma tragédia se eles acreditassem nisso”.
Como eu não encontrei o poema inveja, eu tomei duas decisões: a primeira é que vou pegar carona na atitude do Flávio Paiva e vou fazer uma página na internet com algumas coisas que estão soltas, da minha produção intelectual, produção artística, algumas poesias que fiz; e a segunda, é que vou dar um abraço no Flávio com o meu poema “Abraço”, que diz o seguinte:
Neste hoje
Estou em graça
Por tudo o que fiz
Pelo que ainda não fiz!
Quero brindar contigo
Neste hoje de festa
Tudo o que já sorriu
O que ainda não sorriu!
Quero apenas te dizer
Neste hoje em que posso
Do excitante desafio
De ser mais feliz.
Neste hoje
Preciso do teu braço
Fraterno como se fosse
Possível acontecer!