Reviravolta na Educação
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno 3, pág. 3
Quinta-feira, 1º de março de 2012 – Fortaleza, Ceará, Brasil
Momento empolgante o que passa a educação brasileira. Está claro para todo mundo que uma transformação, ou pelo menos uma boa reforma, precisa ser feita. De que natureza, há controvérsias, o que requer a difícil, porém indispensável, construção de consensos. A gestão do ministro Aloízio Mercadante no Ministério da Educação e a sociedade brasileira estão com o complexo e sensível desafio de promoverem uma reviravolta na nossa educação, de modo a definir um sentido de país, produzir a massa crítica adequada para conferir merecimento à essa definição e, assim, assegurar a importância do papel do Brasil na nova ordem geopolítica internacional.
Tenho visto muitas discussões sobre ajustes de metodologias de ensino, aprendizagem e avaliação, uso de tecnologia digital na rede pública, estabelecimento de metas, melhoria nas condições de segurança do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), ampliação do tempo integral, formas de aperfeiçoamento do fluxo escolar, tentativas de salvação de escolas com baixo desempenho e cobranças de aprendizado mínimo. Seja o que for o debate, o que une esses e outros temas é a ruindade do nosso padrão de ensino e o que fazer para reverter esse quadro secularmente perverso.
Outro ponto crítico dessa questão está na entrada dos “tablets” e das lousas digitais na escola antes de preparação de uma pedagogia ajustada ao uso das tecnologias digitais na educação. Embora o Brasil seja um dos três maiores mercados de consumo de computadores do mundo, aceitou que o mercado determinasse o tom da educação digital. Se considerarmos, entretanto, esse atropelo da pedagogia pela informática, como parte da criação das condições caóticas que estão pressionando a reviravolta no nosso sistema educacional, talvez até tenha sido positiva essa intromissão, considerando que a desconstrução é uma maneira de instigar mudanças.
A intervenção das corporações nos equipamentos educacionais, intensificada desde que o governo federal separou o Ministério da Educação e da Cultura (MEC) em dois (1985), chegou a um teto assintótico, com a distribuição de máquinas e equipamentos nas escolas, sem dar a mínima para a preparação das educadoras e dos educadores. O lado bom é que isso forçou a partida para uma discussão bem mais ampla: “Para quê?”. Fôssemos esperar um debate puxado pela voz intimidada dos educadores, perderíamos o século. E não é bom nem pensar nessa possibilidade.
Ainda bem que o ministro Mercadante resolveu priorizar a introdução do “tablet” na escola, a partir do professor. O “tablet” é um instrumento em estágio ainda primitivo, que para se afirmar vem acompanhado de um marketing contra o livro, mas que certamente ganhará personalidade própria e tem tudo para dar muitas contribuições no campo educacional. Uma delas é facilitar a organização dos conteúdos e outra é a redução de gastos com reposição de materiais didáticos.
Fala-se em universalização do acesso à educação e em ensino público de qualidade. Para quê? Tem que ter um “para quê?”. Para abraçarem suas metas os gestores comprometidos precisam de um “com o quê?”. A rede pública deve fazer educação para educar os brasileiros a serem agentes e beneficiários das riquezas do país. O desafio é como enxergar o “para quê?”, com o ambiente escolar contaminado pelos produtos e serviços das mídias de massa e com um contingente de mais de trinta milhões de brasileiros que na última década ingressaram na zona de consumo e precisam de oportunidade para refletir sobre o que isso significa.
O Brasil não pode correr o risco de ter o seu destino traçado pelo domínio numérico da ignorância, em nome da democracia. Por isso, mesmo antes da votação do Plano Nacional de Educação até 2020 (PNE), que está no Congresso Nacional, sinto falta de um debate estruturado sobre qual a educação que queremos. A título de ilustração, comento cinco pontos que considero estratégicos nesse debate:
01 – Queremos uma educação para qual país? Tem sentido continuarmos com uma educação que reforça o modelo mental de colonizado que nos torna passivos no diálogo global? A educação para um novo Brasil, precisa ser lastreada pelo respeito e pelo lugar de destaque que, na última década, conquistamos na economia e na política mundial. O projeto de país que deve estar manifesto nos nossos conteúdos educacionais é o de uma sociedade aberta, mas que quer se preparar para o mundo pós-automóvel, pós-crescimento; o mundo da sustentabilidade, da economia verde, da inovação do bem, das energias limpas e renováveis, da atenção aos limites dos recursos naturais, enfim, do que chamo de cidadania orgânica.
02 – O Ministério da Educação está abrindo a discussão do que poderá ser um currículo brasileiro. A montagem desse currículo nacional mínimo é uma ação que precisa do engajamento de educadoras de todo o Brasil; pessoas que na ponta organizam a aprendizagem. Os professores devem ser encarados como mestres do país, não interessa o porte do município ou estado, nem o tamanho da escola em que trabalham. E por isso, só teremos uma educação nacional de qualidade se valorizarmos a docência, em termos de participação, oportunidade de renovação de conhecimento pessoal, condições de trabalho favoráveis e remuneração à altura da missão.
03 – Está em tramitação no Congresso Nacional o projeto de lei 518/09, de autoria do senador Cristóvam Buarque, propondo que o MEC fique somente com a educação de base e que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação incorpore a Educação Superior e o ensino técnico. A proposição do professor Cristóvam é muito boa e oportuna; contudo, como o momento é de debate, tomo a liberdade de pensar em algo que a mim me parece mais ajustado, que seria a mudança do MEC para Ministério da Educação de Base e Cultura, o que fortaleceria o conceito de projeto de país. Os assuntos da economia da cultura, na minha opinião caberiam muito bem parte no Ministério do Turismo e parte no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
04 – Um grande projeto brasileiro de educação não deve ficar preso a discussões do tipo ‘oi investimento por aluno é caro ou barato’. O sistema educacional precisa ser antes de tudo eficiente na formação do ser social e na educação das pessoas para algo; e este algo deve estar contido no conjunto dos nossos objetivos individuais e coletivos. E a resposta ao “para quê?” serve para fechar a conta. O ministro tem falado que o algo mais virá dos royalties do Pré-sal; mas esses dividendos, que são de todos os brasileiros, ainda vão demorar um pouco para chegar. Como temos urgência, dou uma sugestão: que tal taxar as grandes fortunas, com a finalidade específica de viabilizar as mudanças necessárias à educação?
05 – Em que pese a autonomia de municípios e estados na formulação e implementação de suas políticas, na educação é indispensável a existência de um plano estrutural de âmbito nacional, que defina e garanta a execução da política educacional do país. Não tem mais cabimento manter a falsa municipalização, decorrente da estratégia neoliberal de enxugamento do Estado e de incentivo à privatização, que deixou as verbas públicas à mercê dos desvios dos administradores corruptos. A educação nos municípios só tem sentido com a efetiva participação da comunidade e atendendo as peculiaridades regionais. Tramita também no Congresso Nacional um projeto de lei (PL 7420/06), voltado para o estabelecimento de regras na aplicação dos recursos públicos no ensino.