Educação e juventude
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno3, pág.2
Quinta-feira, 06 de junho de 2013 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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Foto: Marcos Vieira

Na sua acepção radical latina, a palavra “provocar” que dizer “fazer falar” (“pro vocare”). Com esse entendimento do termo, aceitei a provocação da História Viva de ir a Independência (CE) no sábado passado (01/06) participar na quadra do Colégio Santana de uma roda de conversa com professores e estudantes, a respeito do tema “A educação e o meu lugar no mundo”, instigante provocação feita por essa entidade da sociedade civil da cidade onde nasci, a jovens de 12 a 17 anos, na quinta edição do prêmio literário anual que leva o meu nome.

Como uma fala provoca outra, comecei a minha provocação submetendo aos presentes a ideia de procurarmos escapar das categorizações de juventude, a fim, inclusive, de podermos ficar livres em nossa trocas de pontos de vista. Fala-se de jovem como se houvesse uma uniformidade e essa generalização é perversa porque acaba confundindo “enformados” com “informados”, ou seja, dando valor destacado àqueles que sabem tudo dos novos lançamentos de tecnologia digital, mas quase nada sabem a respeito do milho que está vindo do Mato Grosso e de Goiás para socorro da pecuária local.

O fechamento defensivo de quem vive em um lugar como se não pertencesse a ele, porque não consegue encontrar a riqueza e a beleza do seu mundo nas cinco telas (celular, computador, tabletes, televisão e cinema), dificulta o exercício da energia criativa dos jovens de qualquer idade. Essa defasagem de saber e de conhecimento do mundo comunitário real dificulta o engajamento orgânico das pessoas e as aprisiona ao mundo comunitário virtual, onde a sensação de ativismo pode ser supostamente saciada com um simples clique de “curtir”.

O tema “A educação e o meu lugar no mundo” me levou também a fazer provocações relativas aos nossos sonhos. É comum encontrar amigos atrelando seus sonhos apenas a outros lugares. Uns que querem fugir de Independência, como se a região dos Inhamuns não oferecesse qualquer chance de felicidade, e outros que prendem suas possibilidades de realizações à meta de deixar o Brasil, como se em outros países fosse naturalmente mais fácil de efetivar seus desejos. Ledo engano, pois o sonho não é geográfico. Como fenômeno autoral, os sonhos podem ser concretizados em qualquer lugar. Quando alguém mostra a foto de um pássaro, de uma flor, de uma paisagem e conta como a capturou, está dizendo “eu que fiz”. E ao fazer isso está narrando a experiência de sentir que é capaz de realizar algo, de tornar concreto algo que idealizou.

A relação entre ensinar, aprender e viver também entrou para a minha lista de provocações. Compartilhei algumas lembranças de como as professoras da minha juventude escolar me desafiaram com assuntos de vínculos emocionais. Contei do dia em que a Cacilda Sales me viu fazendo “palavras cruzadas” e me perguntou se eu já havia tentado criar “palavras cruzadas” ao invés de somente preencher os quadradinhos com as respostas. O que eu fiz? Ora, fui inventar “palavras cruzadas” e descobri o quanto era prazeroso inverter a lógica de usuário para criador.

Ainda dentro desse raciocínio de que é a emoção que põe a inteligência em movimento, narrei o quanto foi importante para mim a maneira simples como a Dona Ozanira me orientou, no dia em que, na aula de geografia, perguntei a ela como deveria distribuir as cores de alguns estados no mapa do Brasil. Ela simplesmente apontou para o mapa da África e disse que eu pintasse com as cores que eles trouxeram para o Brasil. Fiz questão de dizer ainda de como a Tia Terezita me fez perder o receio da aproximação com a música formal, ao falar que os grandes compositores clássicos refinaram a música do povo e que erudita e popular tinham ponto de encontro nos sentimentos humanos.

Para um jovem encontrar o lugar no mundo ele precisa de uma educação que lhe dê condições de perceber que nem tudo é utilitário e que é possível encontrar outros significados até para as coisas mais banais. E o caminho para isso é a liberação da mente para a imaginação, para a sensibilidade e para a relação afetiva. Fugindo da mesmice e do tédio, a pessoa faz das adversidades plataformas de transformações, de criatividade e de inovações. Além, claro, de reaprender a usar o tempo e de sentir o passado no agora e no que for capaz de construir do que virá.

Tomar consciência do que já temos, do que foi conquistado antes, é uma boa escolha em favor da nossa capacidade de pensar criativamente e de encontrar soluções. O professor Gilberto Ferreira vem há anos fazendo na marra um paciente levantamento de resquícios arqueológicos no município de Independência, e cada fragmento de tecnologia e arte dos nossos antepassados que ele encontra é um elemento de despertar para o quanto fomos grandes sonhadores para chegarmos até os dias de hoje e no grau de evolução a que chegamos.

Quem quer que visite uma das casas de pedras existentes no município de Independência vai poder imaginar o mundo do cangaço e o temor da passagem dos revoltosos pelo interior do Ceará. Afora isso, vai poder também ver os buracos nas paredes feitos pelos saqueadores de botijas e poder conversar sobre a criação do baião de dois, como uma inovação culinária decorrente da escassez de água no semiárido. O que parece tão simples tem um poder sofisticado de nos levar a olhar para o que somos por outros ângulos, dando chance aos nossos pensamentos de saírem dos domínios da rotina.

A reflexão sobre “A educação e o meu lugar no mundo” necessita pelo menos da sensação de que estamos em outro estágio da vida social coletiva. A vida melhorou e pode melhorar. Quando eu vim morar em Fortaleza há mais de três décadas, era comum ver as famílias irem ao aeroporto ver o pouso e a decolagem de aviões. Hoje, essas pessoas estão viajando dentro das aeronaves. O Brasil vive um momento que os economistas tradicionais classificam como negativo, mas a população sente como positivo, que é o do crescimento da renda, a despeito da expansão da economia.

Tomando como referência de problemas comparativos a situação da juventude brasileira e a dos países europeus mais afetados pela crise econômico-social dos últimos cinco anos (refiro-me aqui à faixa de idade universitária), podemos observar algumas particularidades que pedem atenção: na Europa, a dificuldade desses jovens de se adaptarem a recessões tem levado aqueles com formação competitiva a deixar seus países, outros a descambarem para as drogas e outros, que contam com incentivos estatais, a tentarem a vida no campo; no Brasil, muitos passaram a fazer faculdades no interior e a ter famílias com alguma renda, mas sofrem com a baixa qualificação profissional e com o assédio do narcotráfico.

As crises, mesmo quando ditas econômicas e políticas, estão muitas vezes mais para pressões psicológicas, geradoras da sensação de impotência e redutoras da perspectiva transgressora das pessoas que não aceitam o papel de meras seguidoras. O lugar do jovem no mundo é o território da sua aprendizagem de ser. E aprender a ser é participar, sentir-se útil. Fazer como a Marcela Torres, que lançou mão da internet para mostrar a cidade por ela mesma no portal (http://www.porronca.com.br/), em que aproxima a vida comunitária física e virtual de Independência, ou como a professora Nadja Nara, que mobiliza estudantes da localidade de Tranqueiras para atuar em eventos na sede do município, numa clara demonstração de compromisso e dedicação. Há muito o que inventar, o que construir de diferencial. Em casa, na escola, nas ruas, na rede mundial de computadores, “a educação e o meu lugar no mundo” é uma descoberta, não apenas de como as coisas são, mas de como as coisas podem e devem ser.