O sentido do progresso
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.5
Quarta-feira, 21 de agosto de 2013 – Fortaleza, Ceará, Brasil
CHAMADA DE CAPA
FAC-SÍMILE
Estive olhando fotografias das mansões abandonadas, onde moravam os magnatas da indústria automobilística em Detroit, nos Estados Unidos. Elas são impactantes. A cidade sede da General Motors, símbolo do império do automóvel no século XX, virou uma cidade fantasma. Faliu, entrou em concordata. A população, que era de quase dois milhões de habitantes, está reduzida a setecentos mil e o índice de homicídios alcança o primeiro lugar do país.
Essa manifestação aguda dos efeitos da irracionalidade do progresso torna frágil uma das potentes armadilhas dos países mais industrializados, que é a pregação de que o resto do mundo deve seguir seus passos. As estatísticas utilizadas para balizar a lógica do “primeiro mundo” para seguidores aparecem todos os dias em todas as mídias, travestidas de comparativos de crescimento econômico, de renda per capita, índices de satisfação e nível de poder de compra.
O congestionamento de diagnósticos e preceitos em favor do progresso dificulta o rompimento com esse padrão que vem de longe. No livro “Uma breve história do progresso” (Record, RJ, 2007), o arqueólogo e escritor anglo-canadense Ronald Wright trabalha com vários exemplos de culturas que se destruíram pela busca de um progresso sem limites, desde o tempo em que a humanidade descobriu que o porrete era mais eficaz do que o punho e passou a medir seus avanços pela tecnologia.
O dilema enfrentado pelos povos que foram vítimas do seu próprio sucesso, em diferentes graus de esperteza, ignorância e ambição, vem de uma deturpação da ideia de progresso, que Wright chama de “mal de escala” (p.20). Ele cita os caçadores paleolíticos que progrediram quando aprenderam a matar mamutes com lanças. Depois, perceberam que poderiam conduzir rebanhos inteiros a precipícios, matando-os em quantidade, e passaram a viver um período de esplendor até acabarem com a fonte de caça e morrerem de fome.
Com o surgimento da ciência moderna e da indústria, há poucos séculos, a noção de progresso ganhou relevância e consolidação como ideal de desenvolvimento. Levar vantagem sobre a natureza foi um avanço tão encantador para a evolução econômica que boa parte do mundo perdeu o equilíbrio entre a necessidade e a cobiça. Em seu estudo, Wright mostra como a aceleração do crescimento deixou na paisagem do planeta monumentos que simbolizam as armadilhas das conquistas e dos fracassos das civilizações.
Ele trabalha com referências de sociedades que ultrapassaram os limites naturais e colapsaram, como os sumérios, inventores da tecnologia de irrigação, mas que não conseguiram prever as consequências da catastrófica salinização de suas terras. Fala de como maias e romanos direcionaram suas cargas ambientais para territórios conquistados e, apesar do esgotamento imperial, deixaram remanescentes diretos que são parte da atualidade.
A obra de Ronald Writght estende-se ainda por Egito e China, culturas resistentes, mesmo com históricos de abuso da natureza. Em termos de potencial de devastação total do planeta, ele cita a indústria armamentista como a primeira a ter essa força, atribuindo ainda o mesmo poder destrutivo ao que chama de “hemorragia do lixo” (p.149) e à explosão demográfica. A insustentabilidade começou com a mudança do sentido de suprir necessidades para o de criar necessidades de consumo excessivo.
Das referências apontadas por Wright, a mais chocante é o conjunto de centenas de desoladas e colossais esculturas de pedra (moai) que restaram da cosmovisão dos habitantes da Ilha de Páscoa. O autor faz isso longe das atribuições das maravilhas do mundo a atlantes, deuses ou viajantes do espaço, por considerar que a mistificação rouba de nossos ancestrais os seus méritos e de nós a experiência deles. “Nenhum desastre natural transformou isso: nenhuma erupção, nenhuma seca ou doença” (p. 75). Tudo foi feito por pessoas trabalhadoras, produtivas, mas que resolveram pedir proteção “extática” para progredir.
O autor explica que o culto às estátuas tornou-se cada vez mais competitivo e extravagante, o que foi exigindo o corte de mais e mais árvores para a montagem de altares, num círculo vicioso de anseio por abundância, que só foi parar quando restaram apenas as esculturas gigantes, que comeram o verde, o solo e a água. Foi, então, que a crença compulsiva transformou-se em desencanto também compulsivo e, desesperados, os habitantes da ilha derrubaram seus monumentos e desapareceram.
Da Ilha de Páscoa a Detroit, o certo é que, por toda a vida, vivemos sem pensar no futuro. Agora não dá mais. “Todos os Eldorados foram saqueados, todas as Shangri-Las ganharam um resort” (p.149). E mais: “Os povos gentis não venceram (…) Na melhor das hipóteses, somos os herdeiros de muitas histórias impiedosas” (p.45). Estamos no auge do consumismo, da superpopulação e nos limites dos recursos naturais do planeta. Não há saída para escaparmos de nós mesmos se não mudarmos o sentido de progresso.