A criança na cultura
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 23 de abril de 2014 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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Aos poucos vamos conquistando melhorias no âmbito da cultura no Brasil, um país tão maravilhosamente rico, mas que ainda não tem uma estratégia cultural à altura da sua diversidade única. A novidade em curso é o esforço de pessoas dedicadas à causa da infância, que, reunidas em grupos de trabalho, estão procurando assegurar nos planos de cultura federal, estaduais e municipais a previsão de ações voltadas para a criança, sobretudo no que se refere à prática do brincar espontâneo em espaços de convivência com arte e literatura.

Essa movimentação ganhou mais objetividade quando, no dia 19 de fevereiro passado, foi entregue ao Conselho Nacional de Política Cultural um documento intitulado “Uma política pública para a cultura da infância”, com propostas de desenvolvimento e potencialização de programas e ações voltadas ao público infantil, seus familiares e cuidadores. Nesse documento há, entre outras, a recomendação de criação de um Centro de Referência Cultura Infância e a destinação orçamentária de 20% dos recursos do Ministério da Cultura (MinC) para a infância.

Dos estados brasileiros, o Ceará foi o primeiro a iniciar o trabalho de construção de um Plano Estadual de Cultura Infância, no qual a criança seja tratada como parte ativa da sociedade. No período de 28 a 30 de março último, dezenas de pessoas produziram mais de 40 propostas em linha com o plano nacional, mas observando-se as peculiaridades locais. O ator Emídio Sanderson, do Festival de Teatro Infantil (TIC) está organizando as sugestões formuladas, de modo a atender à perspectiva da transversalidade e da multidisciplinaridade no horizonte de dez anos.

O cronograma define até o final deste mês de abril para esse documento estar pronto para ser entregue à Secult, ao Conselho Estadual de Política Cultural (CEPC) e ao Conselho Estadual da Criança e do Adolescente (CEDCA). Em termos de tempo para inserção das propostas no planejamento do governo do Ceará, a expectativa é que até junho o plano seja apresentado na Assembleia Legislativa do Ceará, quando será também entregue aos candidatos a governador nas eleições de outubro deste ano.

Em sua fala na abertura dos trabalhos, realizada no auditório do Iracema Porto das Artes, o secretário municipal de cultura, Magela Lima, adiantou aos presentes que definiu na Secultfor o conceito de que todo projeto cultural apoiado pela prefeitura exija uma contrapartida para projetos infantis. A secretária-adjunta da Secult/Ce, Ana Márcia Diógenes, mediadora do eixo “Cidadania e Diversidade Cultural”, do qual fui o relator, pontuou em nosso grupo a importância de que, mais do que “para a criança”, o plano seja pensado e executado “com a criança”.

Como alternativa ao “Portal Brasileirinhos”, sugerido pelo GT Nacional, com a finalidade de atualizar conteúdos sobre a Cultura da Infância no Brasil, propusemos a montagem de uma infraestrutura de nuvem, com alimentação colaborativa do tipo “Wikinfância”, diretamente do distrito que for, por quem quiser contribuir com a dinâmica Cultura Infância, seja postando notícias, serviços, onde encontrar, divulgando estudos ou fazendo comentários. A oportunidade de acesso de oferta e de procura, sem intermediários, democratiza o processo de compartilhamento de conteúdos locais e trocas de saberes e conhecimentos globais.

No Ceará, onde um quarto da população tem menos de 14 anos, trabalhamos com quatro eixos temáticos, na tentativa de abranger o máximo de propostas a serem validadas nas consultas posteriormente feitas às próprias crianças. O eixo “Cidadania e Diversidade Cultural” foi orientado na perspectiva da apropriação, do direito à fruição, à experimentação, à informação, à memória e à participação; o do “Patrimônio Cultural” abordou a criança como produto e produtora de expressões simbólicas; o de “Educação e Cultura” trabalhou a interface de ambientes educacionais formais e informais; e o eixo de “Linguagens artísticas” focou nas novas narrativas, estéticas e poéticas da infância.

O conceito de “Cidade Cultural” também permeou as propostas dos grupos. É lamentável que um lugar com a importância de Fortaleza não tenha praticamente nada em escala infantil. Como a criança pode desenvolver uma relação com a cidade se nos logradouros públicos não há nada feito para ela ou com o qual se identifique? Em Tóquio há praça com escultura do Godzilla, em Buenos Aires, da Mafalda, em Copenhagen, da Pequena Sereia… Por que não temos uma estátua do Capitão Rapadura em Fortaleza? Por que não temos praças com os seres fantásticos do Chico da Silva, com os quais as crianças possam brincar?

A criação de hábito cultural para uma criança do presente, como pretendido na proposta do Plano Estadual de Cultura, passa pela arte urbana, pelo estímulo à diversificação de repertório, pela criação de campanhas que estimulem os pais a atentarem para o consumo saudável de produtos e serviços culturais, por pontinhos de cultura nos cerca de 800 distritos cearenses e por um conjunto de posturas políticas que considerem e integrem as infâncias de todos os lugares e classes sociais.