Oriente e Ocidente
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 30 de abril de 2014 – Fortaleza, Ceará, Brasil
FAC-SÍMILE
O redesenho dos laços econômicos entre países na nova ordem geopolítica mundial não combina com a velha retórica da divisão global entre orientais e ocidentais. E quanto mais as políticas externas das nações criam alternativas à dependência das grandes potências econômicas do século XX, mais os Estados Unidos e a Europa procuram exacerbar a dicotomia distanciadora contida nos conceitos de Oriente e de Ocidente.
O caminho para o estabelecimento da paz no mundo passa pelo fim desse método de classificação, que serve à mentalidade da guerra e não ao pensamento voltado a novas maneiras de viver inspiradas no equilíbrio dinâmico de poder na multipolaridade. É deplorável que as relações exteriores, voltadas às considerações práticas, conhecidas como Realpolitik, insistam no domínio de áreas estratégicas por força militar, levando muitos países a colapso.
Olhando para as guerras em curso mundo afora, vemos muitas intervenções que estimulam os povos a se consumirem em guerras. Tropas russas na Ucrânia, marinha chinesa nas Filipinas, exército francês no Mali e na República Centro-Africana, presença estadunidense em uma penca de conflitos, que vão da Síria ao Afeganistão, suportes a massacres na Nigéria, na fragmentação venezuelana e no fomento permanente à desagregação cubana, agora também por meio de redes sociais.
Nas novas geografias políticas, surgem acordos entre os grupos políticos palestinos Fatah (Cisjordânia) e Hamas (Faixa de Gaza) – com intenção de constituir um governo de unidade no combate à ocupação militar israelense na região –, os locautes patronais no agronegócio e no transporte público argentino e embates entre Acre e São Paulo por conta de refugiados haitianos. E temos aí um reflorescer de movimentos separatistas em todos os continentes, desde a luta do Tibete, pela independência da China, até a Escócia, que vai fazer em setembro próximo um referendo para ver se descola do Reino Unido, passando pela luta da Gália, da Catalunha e de Québec para se tornarem Estados autônomos.
As superpotências, que antes congregavam aliados em torno do capitalismo ou do comunismo, estão perdendo a autoridade, envoltas nas próprias contradições: os mesmos interessados em manter a divisão entre orientais e ocidentais são os que a desconsideram quando tratam de ocupação financeira e econômica global, quer no tradicional sistema de livre-comércio e mercado aberto ou quando tratam do rompimento de fronteiras para os avanços da nova economia em nome da governança mundial da internet.
Essa lógica da divisão do mundo entre Oriente e Ocidente acaba se convertendo em falsas proposições quando acordos comerciais são feitos no sentido inverso do discurso, como é o caso da Parceria Trans-Pacífico, por meio da qual os EUA vêm tentando estabelecer ligações comerciais com a Ásia, envolvendo uma dúzia de países do litoral oeste sul-americano. A nova realidade cartográfica está também afetada pela queda da eficiência das máquinas de guerra da OTAN e pela redução da força das economias dos “países centrais”, que, quando contrariadas, decidiam quebrar países divergentes, como Cuba, Irã e Coreia do Norte, através de bloqueios comerciais.
Isso não é tão simples quando as sanções econômicas destinam-se a países bem armados e que mantêm empresas e contas bancárias no exterior, a exemplo da Rússia, ameaçada de isolamento por ter anexado a Criméia e pretender incorporar a Transnístria, enclave de língua russa na Moldávia. É o que há, por mais que os países mais industrializados, organizados no G-7 (EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Japão e Canadá) declarem que deixarão os russos fora do G-8 (G7 + 1) quando forem tratar de novos conchavos bélicos.
A China é uma interrogação que vem do século passado, quando Roger Garaudy (1913 – 2012) perguntava se seria esse país o destino socialista do mundo, e não o modelo soviético. Para o pensador comunista francês, a versão chinesa de socialismo não atenderia aos problemas causados pelo capitalismo. “A cisão organizada em escala mundial pelos dirigentes chineses enfraqueceu esse combate” (“O problema chinês”, p. 178, Zahar, RJ, 1968). O certo é que a URSS desintegrou-se e a China continua uma incógnita com sua mescla de tradição confucionista-budista com centralismo de partido-Estado e uma agressiva experiência capitalista.
O trânsito do Brasil nesse cenário tem, felizmente, ocorrido por fora da trava Oriente e Ocidente. Temos nos colocado nos esforços de cooperação internacional como um país que respeita variáveis territoriais, populacionais, culturais e de mercado, sempre buscando agendas específicas, que dispensam adesões políticas. A disposição de conciliar, e não de separar, é um louvável ponto de distinção da diplomacia brasileira, quer nos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), no G-20 ou na CPLP (Comunidades de Países de Língua Portuguesa). Diante de tantas e tão preciosas oportunidades, a construção institucional de novas alianças internacionais certamente não cabe mais na ideia de mundo separado entre Oriente e Ocidente.