Ataques ao Brasil
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 28 de maio de 2014 – Fortaleza, Ceará, Brasil
FAC-SÍMILE
Quem vê o Brasil pelas insistentes cenas de vale-tudo, incompetência, brutalidade, improbidade, delinquência, vandalismo, negligência, fatalismo, descontrole, intolerância, insegurança, manifestações violentas, desrespeito às leis, chantagens parlamentares de inquérito e leviandade cultural generalizada, veiculadas pelas mídias não tem como escapar de uma situação de desassossego.
O circo de horrores em que se pretende transformar o pais pela alienação de sua população produz instabilidade e dá ares de entretenimento à banalização de toda sorte de crime. O discurso virulento espalha mal estar social, econômico e político, em bombardeios que levam à sensação de ausência de gestão e de estado endêmico de corrupção.
Essas cutucadas contra o Brasil têm vertentes externas e internas conectadas à realização da Copa do Mundo de Futebol, em uma convergência de alvo, mas não de interesses comuns. Externamente, temos um problema geopolítico que visa à queda da reputação do país e à redução do nosso brilho e voz nos fóruns internacionais. Internamente, vivemos um momento eleitoral fraticida, com alguns protestos oportunos e oportunismos inconsequentes.
Em uma conjuntura mundial capenga como a atual, não é estranho que os países identificados como ameaça às esferas de influência dos que a tudo controlavam se tornem alvo dos seus ataques. Em tempos passados, de bipolaridade geopolítica, as então superpotências faziam o que queriam para enquadrar os divergentes em seus objetivos estratégicos e até ideológicos.
Bloqueios econômicos, retaliações comerciais, isolamentos políticos e sanções diplomáticas somavam-se às guerras como instrumentos rotineiros de coação. Com a crise que vem se arrastando desde 2008, resta a países como os Estados Unidos e alguns da União Europeia usar o truste internacional de comunicação, ainda sob seu domínio, para desestabilizar os que os incomodam.
E o Brasil vem incomodando, por ser um país que procura se relacionar livremente com povos de todos os continentes. Foi assim ao ser proativo na criação de um grupo com as vinte maiores economias do mundo (G20), na reunião da Cúpula América do Sul – Países Árabes (ASPA), na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e na consolidação do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), bloco transgeográfico que representa 25% da economia e 40% da população mundial.
A cooperação internacional está mudando e isso vai expondo também a incoerência entre a fala e a prática dos poderosos. Há um ano, os Estados Unidos ficaram irritados porque o Brasil colocou-se publicamente contrário ao delito cibernético cometido por seus agentes contra o governo brasileiro. Na semana passada, os estadunidenses acusaram militares chineses de hackearem os sistemas de algumas de suas empresas em busca de segredos tecnológicos e econômicos.
O momento da Copa do Mundo não poderia ser mais propício para ações de terrorismo à imagem de um país que molesta as tentativas de recuperação de controle global das ex-superpotências na economia e na política. Essa investida encontrou terreno fértil na indignação da sociedade brasileira diante das frustrações com parte significativa do Partido dos Trabalhadores no poder, das irregularidades nas obras da Copa e na subserviência dos governantes diante das interferências da FIFA nas leis e nos costumes desportivos brasileiros.
A incorporação dessa ofensiva ao Brasil foi-se expressando em um misto de locaute com greve bem estruturada, aparentemente sem líderes, no transporte público; em boatos de que o governo estaria oferecendo vantagens a grupos criminosos para que fiquem quietos nos dias da Copa; em prenúncios de falta d’água, de polícia e de atendimento nos hospitais. Canais de televisão chegam a entrevistar turistas sobre culinária, para, em seguida, mostrar o quanto os nossos visitantes estão enganados com os sabores brasileiros, que têm por trás cozinhas condenadas pela vigilância sanitária.
Mais do que uma “Copa de Greves”, é confuso ouvir manifestantes pedindo “padrão Fifa” para escolas e hospitais. Como assim? Não é exatamente esse tipo de modelo que não se deseja? De repente, nas ocupações próximas a estádios onde acontecerão jogos do mundial, escuta-se o argumento de que, se o Brasil tem dinheiro para a Copa, por que não para a moradia social. E é porque temos hoje no país um programa habitacional em grande escala para a população de baixa renda, que é o Minha Casa, Minha Vida.
Esses ataques ao Brasil em nome da Copa acabam dando a falsa impressão de que tem mais gente torcendo contra a Seleção Brasileira do que a favor. Usar o futebol contra o país é um modo de tirar o Brasil da paixão dos brasileiros, como se não valesse a pena torcer por nós mesmos. Lembro-me que nos protestos do Cairo (2011), independentemente do acirramento de conflitos, a população se mobilizou para proteger as relíquias da tradição egípcia. O futebol brasileiro, com seu histórico de conflitos e rompimentos de barreiras sociais e culturais, é um dos nossos tesouros.