O despertar da cidade
Artigo publicado no Jornal O Povo, Caderno Vida & Arte, página 3
Quarta-feira, 14 de Abril de 1999 – Fortaleza, Ceará, Brasil
No lugar de uma visão de futuro coletiva, capaz de valorizar o que nos diferencia enquanto sociedade, temos apostado por via de regra em um crescimento individualista, ameaçador da nossa segurança cultural. Tudo isso é fruto da perplexidade de uma evolução sem rumo, onde cada empreendedor, cada agente de cultura, trata apenas de garantir a própria sustentação, imitando o que acha que rende mais e muitas vezes, no desespero, se submetendo à dinâmica do que não acredita.
Diante desse quadro de conotação suicida, o espírito obstinado que rege a cearensidade vem teimando na busca de novos caminhos que possam levar a lugares distantes da paranóia das sesmarias culturais. Muitas atitudes reveladoras de que as imposições da realidade não amputaram o desejo das pessoas, acabam surgindo do processo de formação de uma emergente consciência cidadã. Embora variando entre a necessidade da fé e a sensação de perda de tempo, a participação voluntária de grupos pensando, sistematizando e elaborando projetos relativos aos campos de cultura e identidade, no Planefor (Plano Estratégico de Fortaleza e sua Região Metropolitana), testemunha que esse feliz compromisso social com o futuro ainda não se entregou.
Com a liberdade de sugerir, opinar, discordar, mudar de idéia, concordar e, principalmente, dialogar sem medo de ser tachado de inimigo apenas por pensar diferente, pessoas representativas dos nossos mais variados segmentos culturais indicaram propostas que serão disponibilizadas, indistintamente, aos governos e à sociedade, para que avaliem e, se for o caso, viabilizem a sua execução. Longe de sonhos oceânicos ou das tradicionais inclinações corporativas, a intenção do Planefor com esse esforço é facilitar a percepção de oportunidades que possam contribuir substancialmente para fortificar a auto-estima e ampliar a geração de renda da população.
Óbvio que o material apresentado não contempla tudo o que se poderia imagina para o futuro de Fortaleza e seu entorno, mas é um passo importante para a vida da cidade. Só o fato de dispormos de idéias preparadas de maneira compartilhada entre diferentes, na busca do interesse comum, já dá para sair soltando fogos, embora nada garanta que elas sejam devidamente aproveitadas. É de se convir que uma verdadeira inflexão na nossa cultura passaria por uma profunda discussão sobre desenvolvimento e inversões de valores e prioridades político-sociais.
Dentro do que foi considerado viável, sistêmico, de longo prazo e imprescindível para evitar impactos negativos no ambiente construído da Região Metropolitana de Fortaleza, as propostas foram divididas em objetivos focados a partir da necessidade de preservação, potencialização e difusão de valores e produtos culturais, do estímulo ao auto-conhecimento e ao equilibrado usufruto econômico.
Para encorpar e dar força aos nossos conteúdos culturais, o grupo trabalhou algumas idéias que sugerem melhor aproveitamento do sistema educacional para o fortalecimento da cultura, que propõem a montagem de uma rede de difusão e circulação de produtos locais e, dentre outras, a que desperta para a bendita e descentralizadora utilização dos diversos equipamentos públicos e privados existentes nos bairros de Fortaleza e nas cidades da RMF.
No que diz respeito ao fazer pontual, estão a revitalização do Pólo Cultural do Benfica, a ocupação do edifício do Cine São Luís como condomínio de produtores culturais, o reforço aos festivais de quadrilhas juninas para que tenham mais visibilidade, qualidade como festa popular e atração turística, o inadiável socorro à movimentação do Theatro José de Alencar e a criação oficial do Dia da Música no Ceará, como momento maior da nossa variada e renovada expressão instrumental e litero-musical. A data escolhida para esse evento cultural e turístico permanente é o dia 6 de julho, aniversário de Alberto Nepomuceno (1864 – 1920), compositor cearense responsável pela introdução do modernismo musical brasileiro.