Necessidade da emoção estética
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 04 de março de 2015 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE
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O mundo anda bem perturbado por emoções decorrentes de abalos morais, insegurança pública, arremedos artísticos, intolerância ao outro, raiva de fornecedores caloteiros, embustes religiosos e tristeza política. Essas e outras manifestações da linguagem da sobrevivência embrutecem o cotidiano e sufocam cada vez mais as emoções desejáveis, como a do afeto e a da alegria.

Mesmo em um contexto, no qual a atração, antes provocada pela beleza, foi substituída pela pressa demasiada, pela lei da vantagem e pela banalização da violência, ninguém pode negar que as coisas que provocam a emoção estética do belo continuam presentes em nossa vida, em que pese a nossa capacidade de apreciá-las ou não.

Inconformado com a preponderância dos simulacros estéticos, sem manifestação do belo, presentes nos processos educativos e na nossa vida cultural, o músico e pesquisador mexicano-brasileiro Carlos Velázquez está publicando o livro “Mas afinal, o que é estética? – por uma redescoberta da educação sensível” (Chiado Editora).

A proposta de Velázquez instiga o leitor a se dar chance de enxergar o belo, que desfila a todo momento diante de nós e não mais temos paciência de contemplá-lo. Baumgarteano que é, atribui à estética valor de conhecimento, o que não quer dizer que o belo careça de conhecimento para ser sentido e provocar reflexões. A beleza das coisas pode ser descoberta por todos, quer nas manifestações da natureza, quer nas expressões da cultura.

Ao realçar a urgência da disciplina que estuda as sensações e os sentimentos como repercussão lógica e psicológica do que nos emociona, o autor coloca a estética na escala de bens humanos capazes de tornar o dia a dia mais apreciável. O belo desperta a atenção pelo que é mais tocante, seja em termos de qualidade literária e artística, gestos desconcertantes, contemplação mental ou pensamento filosófico.

No seu trabalho em favor do renascer do propósito da estética, em um tempo em que a produção e reformulação de sentido passou a depender “de promessas publicitárias de felicidade pasteurizada e embalada a vácuo” (p.25), Velázquez faz um contraponto a esse indutor do consumo irrefletido, abordando a estética como elemento-chave da educação, enquanto condução do indivíduo ao bem viver socioambiental.

Livre da eterna confusão entre estética e arte, Velázquez não deixa, contudo, de referir-se à chamada arte contemporânea como uma manifestação de “fobia do real”. Recorre ao frankfurtiano Herbert Marcuse (1898 – 1979) para afirmar que a idealização burguesa da cultura propugna a vida feliz como algo fora do cotidiano, e cita o pensador francês Jean Baudrillard (1929 – 2007) para dizer que a sociedade do consumo aspira a uma suposta tranquilidade que só se realizaria distante do real.

A possibilidade de oferta do estudo da Estética necessita, antes de tudo, de experienciação e, nas palavras de Velázquez, “um indivíduo só pode experienciar por via de seus próprios sentidos” (p.227). Não se trata, portanto, de transmitir conhecimentos, mas de criar ambiências de oportunidades culturais onde as pessoas possam procurar sentido à existência.

A excelência das comunicações em redes e das práticas digitais tanto servem para reforçar o entorno do real, em diálogo com o ciberespaço, como para emancipar os signos da vida concreta, corroendo a cultura e tornando-a cada vez mais vulnerável à educação utilitária. “O conhecimento necessário à educação é aquele que constantemente renova seus liames com as situações fenomênicas às quais se refere e, por essa via, reinscreve-se na organicidade relacional da existência coletiva” (p.233), sustenta o autor.

Em sua constante deferência ao pensamento do crítico de arte alemão Alexander Baumgarten (1714 – 1762), que qualificou a Estética como a “ciência do belo”, Velázquez vê a experiência sensível, articulada com o racional, como a melhor maneira de ligação com o real. Nesse sentido, crianças e jovens não deveriam ter acesso somente a produtos reproduzidos tecnologicamente e em série, pois é fundamental que tenham contato com o espírito do fazer cultural.

Ao defender que a sociedade precisa dar mais importância à estética, considerando “o equilíbrio de sua organicidade interna e ambiental” (p.245),

Velázquez clareia a distinção entre educar e formar: “Educar é propiciar oportunidades para que cada indivíduo possa experimentar-se em correlação com o meio” (…) Formar é impor uma forma. É predeterminar as respostas que um indivíduo deve oferecer perante certo número de situações” (p.242).

O desenvolvimento do conhecimento sensível, que o autor chama de “competência estética”, trata de atitudes educativas, capazes de transcender as aparências rumo à percepção aprimorada da realidade objetiva. “A sociabilidade, isto é, o sentimento de pertença a uma coletividade, depende, portanto, do embate irracional do sujeito com o meio” (p.252). Do contrário, sinaliza a obra de Velázquez, seguiremos presos a um comodismo que, se por um lado reforça a competência técnica, do outro, promove o alheamento.