GUERRAS PELO MUNDO – Religiões na agenda política
Artigo publicado na RIVISTA do MINO nº 155 (Editora Riso), p. 20
Edição de fevereiro de 2015 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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O uso político das religiões não é novidade na história dos povos do mundo; o que há de novo nos acontecimentos envolvendo conflitos extremistas entre euro-estadunidenses e mulçumanos é a substituição das guerras de Estados-nação por pretensas guerras religiosas.

O choque violento entre os defensores do Deus-mercado e os seguidores de Alá não tem como motivo principal o uso indevido da imagem de Maomé em publicações ocidentais. Estudiosos do universo árabe e islâmico rechaçam a ideia de que há nos textos sagrados do Alcorão e do Hadith proibições à representação visual do profeta. 

As ações radicais de pessoas ou grupos mulçumanos contra alvos considerados por eles agressivos a Maomé parecem ser interpretações isoladas ou mesmo o cumprimento de determinação (fatwa) de alguma autoridade político-religiosa. Quer dizer, tanto pode resultar de revolta em oposição aos insistentes ataques anti-islã como de arcaísmo político.

O certo é que esse tipo de situação fortalece os extremistas dos dois lados, dando força ao pensamento bélico e estabelecendo uma agenda política inspirada na guerra. Isso vale para Paquistão, Bangladesh, Malásia, Egito, Turquia, Sudão, Indonésia e Arábia Saudita, mas vale também para França, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e Bélgica, dentre outros.

A configuração multipolar do poder mundial na atualidade requer mais diálogo entre as civilizações, e não imposições econômicas, políticas e religiosas. Não cabe mais a lógica do colonizador que, além de tomar riquezas dos colonizados, se sente no direito de denegrir sistematicamente seus valores culturais e espirituais, fomentando conflitos que se prolongam em territórios da Palestina, Iraque, Síria, Líbia, Afeganistão, Mali, Níger, para citar alguns.

Mais do que guerras por petróleo e urânio, esses embates cheios de estereótipos visam afastar grupos étnicos indesejáveis – suas religiões, idiomas e hábitos culturais – da vida de países europeus e dos Estados Unidos. A França, por exemplo, que tem o maior contingente mulçumano da União Europeia, com mais de seis milhões de egressos de suas colônias, prepara e envia jovens mulçumanos para lutarem pelo exército francês em guerras que vão do Iraque à Síria, ao tempo em que fazem pressão para devolver suas famílias aos países de origem. O resultado é que parcela desses jovens que retorna da guerra vê em casa os efeitos das provocações feitas à sua cultura e alguns deles resolvem aplicar seus conhecimentos de violência movidos pelas circunstâncias.

É importante aprendermos a distinguir reações como a de total racionalidade, que derrubou as Torres Gêmeas de Nova Iorque, em 11/09/2001, e atos compulsivos como o do massacre dos chargistas do jornal Charlie Hebdo, no dia 7/1/2015, em Paris. Embora a mídia dominante mundial tenha feito a sua doutrina dos fatos, afirmando que tudo se reduz a uma questão de terroristas da cultura mulçumana árabe e não-árabe, este caso serve para dar clareza ao que está se passando nesse mundo de fundamentalismos e oportunismos políticos.

A opção pela guerra como forma de superação da crise econômica e política na hipermodernidade é um equívoco. O mundo precisa encontrar alternativas a idiossincrasias como o uso da violência em nome das religiões. A islamofobia é condenável. A maioria dos mulçumanos é gente comum, que não tem como ser responsabilizada por atos excessivos praticados pelos que não suportam mais ser agredidos por velhos e novos colonizadores. Em sua mensagem fundante, o islamismo, como muitas outras religiões, prega a paz, a tolerância e o convívio com bem-estar.