Perspectivas da educação
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 08 de abril de 2015 – Fortaleza, Ceará, Brasil
FAC-SÍMILE
Em um cenário marcado por conflitos entre projetos de poder, e não de país, onde a ameaça de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos tem mais relevância na pauta política da juventude do que a cultura, ver um filósofo e professor de ética assumir o Ministério da Educação (MEC) é alentador. O professor Renato Janine Ribeiro, 65, tomou posse na segunda-feira passada (6), e com ele aflora a expectativa de soerguimento de um ministério que, caso seja valorizado como deve ser, tem condições efetivas de interferir na triste e até patética realidade política brasileira.
O nome do professor Renato Janine chega à nossa vida pública como um ponto de iluminação, um fato que leva a pensar em uma perspectiva nova para a educação no Brasil. E a primeira grande mudança educativa provocada pela entrada do filósofo no ministério é o surgimento da interrogação: se é possível ter um ministro por critérios de competência e de ideais, por que isso não aconteceu antes? Essa pergunta em si já é renovadora, do ponto de vista da educação como contexto.
Ribeiro é um dos poucos intelectuais brasileiros que não pararam de pensar diante da falência da ética como bandeira que levou a esquerda ao poder. Manteve o tom crítico e propositivo. Tanto que muitos analistas andam procurando contradições entre o discurso do filósofo e as práticas do governo, como se para aceitar um cargo alguém tivesse que seguir literalmente a cartilha do governante. Essa é outra contribuição educativa necessária ao nosso processo de mudança.
A presença respeitosa de Renato Janine no Ministério da Educação tem esse recado de que não é impossível mudar, mas diz também que a asfixia de respiração moral vergonhosa e resistente provocada pelos traidores da política de esquerda não significa o desaparecimento da decência. Não será por essa falha historicamente imperdoável que passaremos a achar que se esgotaram as possibilidades de virtudes políticas voltadas ao interesse público e ao bem comum.
A missão do novo ministro é árdua, a começar pelo paradoxo que ele tem imediatamente pela frente: ao mesmo tempo em que o governo federal anuncia o lema “Brasil, Pátria Educadora”, o MEC tem milhões em cortes mensais de gastos não obrigatórios (o que não quer dizer sem importância), por força de ajuste fiscal. Mesmo com seu racional econômico bem justificado, isso confunde o conceito de prioridade e fragiliza a intenção declarada pela presidenta Dilma Rousseff de uma educação voltada aos compromissos éticos e aos sentimentos republicanos.
A despeito desse contrassenso, espera-se que o novo ministro consiga fazer o máximo com o que existe. Não há roda a ser reinventada e o próprio professor Renato Janine já ratificou que o grande desafio do MEC nas circunstâncias atuais é a melhoria da Educação Básica (Ensino Fundamental e Ensino Médio) e que, para isso, ele pretende engajar as universidades federais de modo presencial e por meio do ensino à distância; engajamento que passa por uma ressignificação de ideais, motivação de professores, de estudantes e de toda a sociedade.
Essa é uma tarefa de criação de juízo de valor própria dos impulsos culturais de metacidadania, como força de caráter original universalizante e estabelecedora de possibilidades de ressociabilidade coletiva. O estado de rearranjo educacional em curso no Brasil requer mais ambientes definidores de laços culturais emancipadores, com fortalecimento de elos integradores que possam influir na desvalorização da esperteza e na valorização do sentido de pertencimento como identificação de voz para o diálogo global.
O pensador chileno Humberto Maturana diz em seu ensaio “Amar e Brincar: fundamentos esquecidos do humano” (Palas Athena, SP, 2011) que “uma mudança cultural é uma alteração na configuração do atuar e do emocionar dos membros de uma cultura” (p.34). Maturana fala de um viver onde as diferenças são consideradas, mas não tornam alguém melhor que outro, onde a convivência estaria centrada na estética cotidiana como atividade sagrada, sem a urgência como expressão definidora dos modos de vida.
A promoção dessa mudança na forma de sentir e de agir é o papel da educação. E o que de fato dá consistência ao educar transformador é a energia cultural, o modo de ler o mundo e, acima de tudo, o respeito ao que é definido como patrimônio da coletividade, o público, o que tem lógica social fora da monocultura da mente alienada. Educar é dar destaque à escala de valores das pessoas para que desenvolvam repertórios de fazeres e quereres em favor de uma vida mais apreciável, mais vigorosa e mais gostosa de viver.
As perspectivas da educação com o professor Renato Janine Ribeiro à frente do Ministério da Educação estão direcionadas à atenção aos traços prevalentes da cultura como diferenciadora do nosso funcionamento psicossocial. O conceito de “Pátria Educadora”, definido pelo governo federal como lema do país, terá sido para valer se conseguirmos chegar à compreensão de que a ordem social está na cultura e que a educação é o seu roteador no território de vivências do Brasil.