Música com vitamina D
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 13 de maio de 2015 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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Em um cenário musical onde predomina sexualismo, contestação, ostentação e apelo religioso, o compositor e cantor Daniel Groove, cearense radicado em São Paulo, vai ganhando destaque entre a juventude com canções que falam de amor com afeto, em uma profundidade quase ingênua de romantismo. O sentimento abafado da intolerância social cede espaço em seu repertório a uma brisa fresca que oferece lugar ao sol a melodias serenas, com pegadas de rock e sonoridades populares.

Do mesmo jeito que está acontecendo um aumento generalizado de doenças degenerativas e perda da sensibilidade do corpo por falta de exposição à luz solar, vive-se uma epidemia de dívidas emocionais que exaurem as energias das relações amorosas, do namorar e do bem-querer. Lançando mão de uma metáfora bioquímica para lembrar do amor raquítico, eu diria que a música de Groove tem vitamina D – D de Daniel –, boa para fortalecer a resistência dos sentimentos e dar estabilidade aos corações.

Sentir é abraçar o outro pelos cinco sentidos. E a música de Groove articula a sintaxe das emoções puras, espontâneas, aquelas que nos deixam sentir o que realmente sentimos. Ele canta com familiaridade com os detalhes das relações expressos na disponibilidade de se aceitar. “E eu não meço as palavras que digo / Quando digo só o que sinto / E há coisas que só vê quem se interessa / Pequenos gestos me fazem suspirar”, diz em Você Sabe Muito Bem o Que Me Resta, parceria com Saulo Duarte.

Daniel Groove se diferencia no panorama atual da música pela extrema simplicidade do seu som e das suas letras, pelos ritmos suaves e temas atemporais das suas canções. A vitamina D faz efeito tanto em música de roda de amigos, no tocar violão juntos, quanto no cantar sozinho ou reservadamente para alguém. Em Deixa, seu querer inocente pede passagem: “Deixa de pensar assim / De achar que eu não sei brincar de ser feliz / Deixa de me olhar assim / De achar que meu coração está indeciso”.

Suas composições contam histórias como na Canção de Amor, que relata da alegria de espalhar uma conquista amorosa: “Eu vou contar pra todo mundo que você me escolheu / Num dia lindo de domingo, um olhar e eu era teu / E não passou nem um segundo, todo mundo se perdeu / Se misturou no teu sorriso e tudo mais aconteceu”. E falam de memórias desejantes: “Vou buscar na noite escura / O que se perde em não lembrar / Que o dia sempre amanhece / Grita dentro do meu peito / Já nem sei o que é direito / Abro a porta e deixo entrar”, como na faixa Giramundo, título do seu CD solo de 2013.

A música com vitamina D é uma música instintiva, divertida e surpreendentemente simples, que desperta o dom da harmonia entrelaçada em frases de amor, com toques de alegria e de tristeza, de carinho e rejeição, mas sempre em movimento de proximidade, de dar e pedir a mão, o ombro, o colo. As letras de Daniel Groove deixam que ele se aceite no olhar dos outros; não ligam para o que dizem. Ele canta como se estivesse rolando nas folhas da relva de um poema de Walt Whitman (1819 – 1892) ou buscando um doce, doce amor à Jerry Adriani.

De um lado, a vontade de seguir em frente, em que pesem as eventuais adversidades, na naturalidade desprendida de expectativas irreais criadas pelo senso comum sobre o que é o amor e o amar: “E eu vou correr pro mundo / Vou esconder saudade / Eu vou me recolher / Quem sabe um dia eu me permita fracassar” (Enquanto Eu Acreditar Eu Vou Correr); e de outro, a manifestação dos esforços singelos de sedução em seu argumento mais primitivo: “Baby, me diz o teu nome / Me conta teu sonho / Que eu quero viver ele com você” (Novo Brega), parceria com Saulo Duarte.

Do mesmo modo que vivemos em um país com sol em abundância e estamos carentes de vitamina D e fartos de ataques químicos de muitos tipos de protetores solares, por medo de câncer de pele, queimaduras e envelhecimento precoce, na música passamos por algo parecido, que é o desperdício da nossa natureza amorosa e da ternura nas relações, por conta de tensões da competitividade, do consumismo e da valorização excessiva de ressentimentos atávicos.

A vitamina D, de Daniel Groove, pode ser absorvida pela simples exposição aos quereres descontaminados das falsas necessidades que, via de regra, regem as nossas relações. Na canção Nada, parceria dele com Diogo Soares, ele avisa: “E nem por um segundo / Vou fugir porque nada / Vai fazer com que eu / Me desfaça de tudo”. Simples e acessível assim, como fonte de retroalimentação do calor das pessoas apaixonadas.

A força dos sentimentos é impossível de ser medida. Sobre esse fenômeno do humano, a compositora chilena Violeta Parra (1917 – 1967) deduziu poeticamente que “Só o amor com sua ciência / nos torna tão inocentes” (Volver a Los 17). É o que encontramos nos versos de Quem Será Que Gosta Mais (Daniel Groove / Saulo Duarte / Klaus Sena / Beto Gibbs): “E eu já nem me lembro quanto tempo faz / Que você já não me pergunta / Quem será que gosta mais? (…) Rá pá pá pá rá”. Tudo tão bom como um beijo no escuro.