No futebol, de Pelé a Neymar
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 15 de julho de 2015 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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Embora passando apenas ligeiramente pelo Museu Pelé e pela Vila Belmiro nesses dias, entre o domingo (12) e a terça (14), que fiquei em Santos, a força inspiradora desses lugares me fizeram pensar sobre futebol, sua poética, sua estética e seu valor social, cultural e econômico.

Ainda nos resta uma história cheia de valores a zelar; uma memória de que fomos e somos capazes de ser gloriosos nos gramados, com um futebol cheio de beleza, com craques habilidosos e aptos a unir excelência técnica a habilidades fantasistas, desde a humildade do Pelé até a soberba do Neymar.

O perfil desses dois craques de revelações santistas resume bem a mudança ocorrida no nosso futebol: Pelé nunca atuou por um clube europeu e deixou como legado a consciência de que jogador de futebol também é atleta; já Neymar, que foi bem jovem para a Europa, tem crescido como um craque sem consciência do seu papel como ídolo.

A crise no futebol brasileiro, que deixou de ser paixão para ser decepção nacional, decorre do triunfo do futebol-negócio multicontinental. Sem qualquer respeito ao nome e às cores do país, e com total desprezo pelo torcedor, os malandros da CBF escalam a seleção como uma empresa que coloca produto para venda na vitrine.

O comércio de atletas passou a ser o valor central do novo futebol. O Brasil virou uma trade-commodity de exportação de potenciais melhores jogadores para um mercado de muitos bilhões de euros, com milhares de estádios pelo planeta, transmissões globais de partidas, serviços de marketing, patrocínios, franquias, licenciamentos e transações financeiras hiperbólicas.

Faturar é o nome do jogo dos espertalhões que transformaram os eventos esportivos em um campo de grandes operações financeiras, midiáticas, de merchandising e construção civil. O futebol tornou-se um dos maiores empreendimentos comerciais do mundo, com espetacular entrelaçamento de cadeias socioeconômicas.

Não é à toa que os EUA resolveram bombardear a Fifa e partir para a ocupação do vácuo da liderança do Brasil nesse esporte de massas. Além da ação do FBI sobre os cartolas da federação internacional, querem realizar em seu território o centenário da Copa América, monitorar de perto a Copa da Rússia em 2018 e assegurar a competitividade de suas empresas de material desportivo e bilheteria televisiva.

Esse cenário de bola gótica e suas especulações predatórias impede o desenvolvimento dos nossos clubes, por destruir valor e até pretender entregar o custo de arbitragem aos esquemas dos patrocinadores. Para completar, a CBF subordina os horários dos jogos à grade de programação da sua sócia-informal, a Rede Globo de Televisão, forçando os torcedores a irem aos estádios para jogos às dez horas da noite em dia de semana.

Mesmo quando nos sentimos arrasados diante da baixa qualidade das equipes e do degradante nível das partidas é preciso continuar torcendo e indo aos jogos, como maneira de pelo menos dizer que estamos vivos. A desilusão é o pior dos mundos. O esporte mais popular do planeta é o do nosso país, do nosso estado, da nossa cidade, do bairro e da pelada escolar.