Poesia cantada para crianças
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 21 de outubro de 2015 – Fortaleza, Ceará, Brasil
FAC-SÍMILE
Vem de Dourados, no Mato Grosso do Sul, o CD mais maneiro feito para crianças em 2015. Com doze poemas criativos e movimentados por variados e atraentes ritmos, onze dos quais musicados pelo músico, arranjador e produtor Paulo Lepetit, Encantares, do artista-educador e ativista cultural Emmanuel Marinho, é mesmo “Um sol de poesia / Pro céu de cada dia”, como ele mesmo faz soar em uma das faixas do disco.
A composição exclusiva do poeta douradense nesse trabalho é “Outros Bichos”, um tema de natureza, feito em tom tradicional, suavemente introduzido pela sanfona de Adriano Magoo: “Jacaré / Só não come jaca / porque não quer / Jibóia / boia na água e não tem pé”. É uma envolvente brincadeira com palavras, ancorada na gramática imaginária da cultura pantaneira.
Agitado e bem-humorado, Emmanuel sustenta sua teimosia do viver poético com o seguinte lema: “Poesia não compra sapato, mas como andar sem poesia?”. Declamada, recitada, cantada e teatralizada, sua obra conclama várias linguagens para abraçar a educação. Foi com esse compromisso que, quando dirigiu o setor de cultura da Universidade Federal da Grande Dourados, ele criou o projeto pedagógico do curso de teatro.
Autor de várias peças de teatro e praticante da poesia falada de rua, o poeta sul-mato-grossense desenvolveu pesquisas nas linguagens da dramaturgia, tendo sido aluno, dentre outros, do consagrado diretor cearense Aderbal Freire-Filho. Toda essa vivência interpretativa está colocada em favor da requintada simplicidade com que ele conduz os poemas musicados de Encantares.
Em Bicicleta, uma ode à sensação de leveza do pedalar por todo canto, Emmanuel Marinho espalha pegadas de sete-anões: “Eu vou, eu vou / Eu vou de bicicleta / No mar pra mergulhar / No campo, na montanha / Pelo vento / Vendo o sol raiar (…) domingo no parque / Na praia, na praça / Na floresta (…) Na escola, no trabalho / Ciclovia do metrô / Pra ver o meu amor / Eu vou de bicicleta”.
A beleza da escrita e das translações de significados presentes no CD Encantares têm muito dos encantos do CD Brincando com Palavras (2005), com poemas de José Paulo Paes musicados e cantados por Madan. Essa aproximação pode ser feita logo na composição-poema A Palavra, que abre o disco: “A palavra árvore / É uma palavra / A palavra árvore / Com folhas e folhagens / É uma frase / Nela cantando uma ave / É poesia na paisagem”.
As crianças que conseguem escapar da pressão de consumo dos produtos culturais de baixa qualidade e alto sucesso, normalmente adoram trabalhos como esse do Emmanuel Marinho. Se contarem, então, com o envolvimento de pais e educadores dispostos a lhes oferecer obras que respeitam a infância, a educação agradece. “Amigo é bom / Amigo é tão bom / Amigo que vem de longe / Amigo sempre por perto”, salienta o autor em toque reggaeado.
A maravilha de Encantares está no seu jogo inventivo com palavras e sons. “Inventar tem tons / inventar tem / uma palavra traz outras escondidas”, cadencia Emmanuel em Inventar, enquanto adverte que é bom “Ler além das letras / ver o avesso das palavras”, em Boas Notícias. Muito bom!