Ser médico na Amazônia
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 13 de janeiro de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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Admiro as pessoas que trabalham nos rincões brasileiros e que fazem desse viver uma grande aventura humanitária. Erik L. Jennings Simões é uma dessas pessoas, um neurocirurgião comprometido com a vida dos habitantes da área de influência de Santarém, no oeste do Pará, especialmente com o povo Zo’é, etnia de recente contato, que vive na floresta ainda em situação de isolamento.

O dr. Erik escreveu um livro, “Paradô” (ICBS, 2015), com crônicas reflexivas por meio das quais procura, antes de tudo, entender a si mesmo pelo relato do que faz. Paradô é o nome dado pelos Zo’é às reuniões que realizam para resolver os conflitos internos da tribo. Durante essas conversas eles contextualizam a situação contando histórias e produzindo argumentos de conciliação.

Erik Jennings conta de cenas impactantes como na noite em que se deslocou em um pequeno avião para socorrer uma menina que havia sido atropelada por uma moto na cidade de Oriximiná. Como a pista de pouso da pequena cidade não dispunha de iluminação, os moradores que tinham carro se juntaram com os faróis acesos para dar visibilidade de pouso e decolagem, permitindo que ele salvasse a criança acidentada.

Em outra passagem o autor descreve o cuidado que tem com a cultura regional. Diz que certa vez recebeu uma paciente com forte dor de cabeça e com um histórico de ver pessoas que já morreram a observarem os vivos. A moça tinha sido encaminhada por uma curandeira, e isso, para um médico, é motivo de muito respeito. Ele tratou da dor de cabeça e reencaminhou a paciente para a Mãe Helena com a seguinte requisição: “Solicitando seus cuidados e acompanhamento no que se refere a maior sensibilidade desta jovem em ver os mortos” (p.85).

Na oscilação entre tristezas e satisfações do ato médico, Erik Jennings faz várias incursões por temas em que somente oração e fé em Deus parecem desafiar a morte fora dos recursos da medicina. Foi o caso de um policial que chegou à sala de cirurgia com um tiro na cabeça e foi vencido pela hemorragia. Ao informar à família, o chefe da equipe de plantão ouviu um “agora só Deus, né?”, no que ele lamentou: “Nem Deus”. Mas enquanto a papelada do óbito era preenchida o “morto” arregalou os olhos, em uma reação inesperada.

O autor reflete que “tensão e prazer fazem parte de algumas atividades humanas que, quando realizadas com dedicação e entusiasmo, se tornam emocionantes e altamente gratificantes” (p.45). Ele narra vários casos em que foi surpreendido com expressões de gratidão, como o da manicure que revelou a felicidade de estar cuidando das mãos que haviam cuidado dela anos atrás ou da família ribeirinha que por motivo semelhante arriscou tudo para salvá-lo de um afogamento no rio Tapajós.

Mas “Paradô” tem uma história mais especial do que as outras. É a história de uma criança que com quatro anos de idade sofre várias queimaduras provocadas por uma panela de água quente e sobrevive por força da dedicação de um médico chamado Waldemar Penna. Por conta disso, esse menino resolve ser médico. Forma-se em São Paulo e volta para exercer a profissão em Santarém, onde tem a satisfação de acompanhar os últimos dias do velho médico que o salvou das queimaduras. Seu nome: Dr. Erik L. Jennings Simões.