Bem brincar e bem viver
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

Artigo em PDF

FAC-SÍMILE

op_bembrincarebemviver

Quando soube que hoje (24) a Praça Luiza Távora ganharia esculturas interativas do artista plástico Dim Brinquedim, tratei logo de me antecipar para ir apreciar a montagem das peças. Queria ter certeza de que finalmente Fortaleza teria um espaço público capaz de oferecer aos processos imaginativos o lugar que lhes cabe na relação da infância com a cidade.

Desloquei-me para a praça cheio de expectativas, pois tenho grande frustração de viver em uma cidade na qual a infância é tão destituída de oportunidades de interação com cores e formas em três dimensões, de lugares onde meninas e meninos possam desenvolver competências corporais e simbólicas, e onde tenham contato direto com a arte, coisas que as divertidas obras do Dim possibilitam.

As esculturas desse mestre dos brinquedos são plataformas de aço e fibra de vidro que permitem o movimento, a mistura, a vida pura no destravar de tudo o que se impõe como ordem programada da vida funcional e não do viver, na densidade espacial urbana. Uma praça temática com brinquedos, a exemplo dos criados e produzidos pelo Dim, tem função cultural e social relevante por tornar-se um ambiente de sugestão de valores metafóricos para a criançada, como significado de iniciação da criança no mundo social físico.

Além de um presente para a infância em uma cidade na qual a força do que é prioritário nunca contempla efetivamente a criança, uma praça Briquedim seria um modo de homenagearmos o inquieto Antônio Jáder Pereira dos Santos, o Dim, artista nascido em Camocim, reconhecido por onde passou no Brasil e no exterior, e que mantém com esforço próprio um museu de brinquedos e brincadeiras no município de Pindoretama, onde mora.

A praça, constituída pelos castelinhos que escaparam da demolição que levou ao chão o antigo Palácio do Plácido, e onde funciona o Centro de Artesanato do Ceará, Ceart, tem realmente tudo a ver com os encantos da obra do Dim e seu poder de diluir no mundo infantil o controle da autoridade adulta na ação lúdica de exploração dos brinquedos.

A valorização da praça como lugar de brincadeira, de convívio e de expressão de sociabilidade é fundamental como antídoto a uma cultura urbana que, em sua ordenação da vida coletiva, vê a praça como lócus de perigo e a criança na praça como sinal de desvio do seu lugar de segurança, normalmente associado à casa, ao condomínio fechado, ao carro, à escola e ao shopping.

É duro ver essa escassez de espaços de formação da cultura pública e coletiva para a infância. Nada parece convidar as crianças a se inserirem no tempo e no espaço social pela brincadeira, pelo chamamento à memória coletiva do brincar, às relações socioespaciais e aos vínculos transgressores de reconstituição do real como prazer e aprendizado do bem sonhar e do bem viver.

Foi estimulado por esse tipo de compreensão que me animei a ir ver de perto o trabalho do Dim na praça. Chegando lá, dei-me conta da minha ilusão. Todavia, mesmo decepcionado por ter encontrado apenas quatro peças fixadas em um cantinho, procurei me convencer de que o fato de elas estarem ali já é um avanço, considerando que antes, na nossa cidade, apenas no zoológico Sargento Prata (que está fechado) as crianças podiam encontrar esse tipo de brinquedo.