Espaço para a sensatez
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 09 de março de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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O quadro de desarranjo viral antidemocrático por que passa o Brasil vem forçando a redução do espaço de atuação política da sociedade a confrontos entre facções partidárias destituídas de coerência programática, que se tornaram verdadeiras e insensatas brigas por posses, ocupações e grilagens do Estado como se este fosse propriedade privada.

Em nome do bem comum, mas esvaziados em seus ideários, tucanos e petistas, com seus respectivos aliados, fortalecem uns aos outros à medida que, polarizando a disputa, conseguem abafar o surgimento de alternativas que escapem dos seus domínios. Essa reserva de campo de ação criou um impasse democrático rifado em práticas que não preenchem as necessidades políticas do país.

Maior do que o problema da corrução é o problema decorrente do agendamento tautológico do tema da corrupção. Temos aí um problema convertido em outro. Do jeito que têm sido propagadas e somatizadas, as circunstâncias atuais confundem contexto com pretexto e desgraçadamente transformam possibilidades em cruzadas maniqueístas que só interessam a quem se acha deus na luta contra o diabo.

Além dessas disputas e dessas questões em pauta existem muitas outras em todos os âmbitos sociais, culturais, econômicos e políticos brasileiros. Todavia, o oportunismo da luta pelo controle do poder continua valendo-se do paradoxal engajamento alienante da população, segundo o qual as pessoas, constrangidas ou não, só têm a opção de voltar a acreditar naqueles que perderam a credibilidade ou nos que nunca a tiveram.

As provocantes mobilizações midiáticas e de redes sociais forçam apoios compulsivos a um dos dois lados, como se a complexidade dessas questões pudesse estar resumida a apenas duas correntes de interesse pelo controle do poder. Isso nos vai sugando a todos rumo a uma indesejável divisão do país, que não deixa lugar para o exercício do sentido republicano, nem espaço para a sensatez.

A condução coercitiva de Lula para depor na Lava Jato – que investiga esquemas de lavagem de dinheiro envolvendo a Petrobrás – foi sem dúvida um ato desnecessário e arriscado, mas esse tipo de gesto pode ter um sentido como balão de ensaio para medir a tempo qual é mesmo o tamanho da rebordosa em caso de impeachment cautelar do ex-presidente para 2018.

Seja qual for a intenção desse tipo de operação judicial-midiático-policial, ela soma-se a outros fatos que vem reduzindo tudo a uma espécie de heterofobia, alimentada pela negação a quem pensa diferente. Acontece que o Brasil não é só a Operação Lava Jato. O país não pode parar, a vida não pode estancar por conta dessa distorção da busca por hegemonia a qualquer custo.

O Brasil está com uma virose vermelha e azul. Vomita e tem diarreia. Parte da população está contaminada e com desidratação de insensatez. Não precisa ir muito longe não, basta dar uma olhada nas duas maiores bilheterias do nosso cinema na década atual: Tropa de Elite (2010) e Os Dez Mandamentos (2016). Esses indicadores nos informam a intensidade com que as ideologias do mal estar de segurança e da moral religiosa estão direcionando o nosso senso de cidadania.

É um desarranjo grave, mas vai passar. O seu tempo de recuperação vai depender do tanto que as pessoas possam compreender as implicações desse falso dilema e encontrar outros caminhos para a ação política.