A tecnopoética Eliakin Rufino
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 27 de abril de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

Artigo em PDF

FAC-SÍMILE

op_atecnopoeticaeliakinrufino

Na tríplice fronteira Brasil, Venezuela e Guiana Inglesa, o artista roraimense Eliakin Rufino desenvolveu uma poética própria, a um só tempo intuitiva e filosófica. Ele tem modo próprio de compor e modo próprio de cantar o cotidiano analógico amazônico como manifestação de poesia ecodigital.

Não é à toa que ele chama de Amazonália os versos-contradições que escreveu para cantar o seu lugar: “Dizem que o pulmão do mundo é aqui / dizem que o cu do mundo é aqui (…) dizem que o inferno é aqui / dizem que o paraíso é aqui / dizem que o eldorado é aqui (…) e o grito do mundo das águas é aqui (…) e o grito dos índios que tombam é aqui / dizem que o curral do boi é aqui”.

É de ciberpoemas falados como esse que é feito o seu mais recente CD, minimalistamente intitulado DIZ (La toca music, 2011). Nele, Eliakin consolida uma fala com timbres de poema e eletrônica, uma tecnopoética que foi lançada no CD Amazônia Legal (Total, 1997), entre potências sensíveis de telepáticas e telemáticas.

Nunca me esqueci dos zumbidos de insetos e sintetizadores das primeiras composições gravadas por Eliakin Rufino. Obras como Mosquito da Malária, parceria dele com Armando de Paula, na qual asseguram que o maior defensor da Amazônia é o mosquito: “Salve, salve, salve ele / Viva sua febre incendiária / O maior ecologista da Amazônia / É o mosquito da malária”.

Outra criação de Eliakin que me tocou à primeira audição foi Tudo Índio, sobre a vida da população indígena que vive na periferia de Boa Vista: “Milhares de meninas e meninos / Fazem papel de índio no boi / Durante as festas juninas / Tudo índio, tudo parente”. Fiquei tão empolgado que, à época, escrevi neste Vida&Arte o artigo “Bate estaca na floresta” (O POVO, 17/03/1999) falando da fina ironia do poeta.

Agora, quase duas décadas depois, tenho a satisfação de escutar DIZ, com seus poemas cantados falando do tanto que precisamos “mostrar a língua / a língua curta e grossa (…) a língua pau-brasil (…) a língua que penetra / a língua que esbraveja” (Vamos mostrar a língua), ou que “o Brasil perdeu a voz no tempo da ditadura (…) o Brasil perdeu a voz no fundo de um camburão” (A voz do Brasil).

Os tecnopoemas de Eliakin Rufino são mantras críticos do senso comum. Nos versos Eu Não Escrevo Teses, ele escancara sua liberdade oral e imaginária: “Eu não escrevo conceitos / eu só escrevo emoções (…) Eu não escrevo teses / Eu só escrevo tesões”. E faz isso com a consciência de que não agrada a muitos, como estampa também em Má Companhia: “Eu sou a má companhia (…) eu sou a bala perdida (…) um foragido na mata (…) Sou alma no purgatório”.

Todo o disco DIZ tem ambiência sonora reverberada na paisagem tecnológica da floresta amazônica criada por Ben Charles, músico e produtor de Roraima, descendente de índio com nordestino, que toca guitarra, baixo, teclado, faz programação e assina os arranjos, gravação e mixagem do CD.

A agradável tecnopoética de Eliakin Rufino engloba versos e sons em uma pegada existencial bem definida na faixa Canta Pra Te Libertar: “Quando eu entrei no navio / para atravessar o mar / meu vodun disse menino nunca deixe de cantar / canta quando for dormir / canta quando acordar / canta quando der saudade / canta quando trabalhar”. Foi o que ele fez, é o que ele faz.