Os brincantes do Vila União
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 29 de junho de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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Estava viajando e perdi o arraial de aniversário de 40 anos da quadrilha do Zé Testinha. Havia prometido ao amigo Tainer, da Vila União, que estaria lá. Não deu. Dias se passaram e ainda no contexto junino recebo um exemplar da revista Entrevista nº 35, do laboratório do Curso de Comunicação Social da UFC, e, entre os entrevistados, vejo lá o Zé Testinha, em carne e osso, mente e paixão.

No bate-papo com os estudantes, ele revela aspectos curiosos da complexidade de manutenção de um grupo de cultura popular em uma cidade orientada para a valorização de tudo que parece moderno. Critica a carnavalização dos folguedos de São João e o excessivo caráter competitivo dado aos festivais de quadrilhas. Para Reginaldo Rogério, o Zé Testinha, não cabe julgamento em manifestação de cultura popular, simplesmente porque não há critério que possa julgar alguém pela roupa que escolhe para se divertir.

O segredo para a permanência da quadrilha que leva o seu apelido é a consciência de que o propósito dos participantes deve ser sempre a brincadeira, e não ter que ganhar prêmios a qualquer custo. Antes de tudo, os integrantes da Zé Testinha se divertem inspirados no sanfoneiro Lampião e na estética do cangaço. “Eu já quis parar. Mas não dá mais para parar porque a gente tem uma importância” (p.79), afirma com a propriedade dos apaixonados pelo que fazem.

Depois de ler essa entrevista fiquei pensando no valor dessas pessoas que conseguem manter equilíbrio entre vida profissional e vida comunitária. O trabalho de Reginaldo Rogério divide-se entre as atividades de técnico de manutenção no Supermercado Pinheiro e a de marcador de quadrilha no bairro Vila União. Profissão e diversão que convergem na habilidade de cuidar dos detalhes, um motivo que considera fundamental para a vida de quadrilheiro.

O Zé Testinha e o Tainer, assim como outros brincantes da Vila União, têm uma trajetória admirável. O bairro onde eles moram está localizado entre a rodoviária e o aeroporto, sendo cortado ao meio pelos trilhos da via férrea Parangaba-Mucuripe. Um lugar com dinâmica social e ambiental bem complexa. Quando estudante secundarista, fui muitas vezes àquele bairro comer um feijão verde sem igual feito pela mãe da Eloneide Carneiro, minha colega de Escola Técnica Federal.

Na década de 1970, os jovens da Vila União se reuniam no Centro Comunitário Presidente Médici, uma espécie de Cuca com a política de juventude do regime militar. E foi ali, a partir do Grujovium, que surgiu a quadrilha do Zé Testinha. Depois, no início do processo de redemocratização, alguns jovens do bairro, dentre eles o Tainer e o Zé Testinha, participaram do coletivo Travessia, já com atos e debates políticos na agenda, a exemplo da luta pela preservação da Lagoa do Opaia.

O Vila União é um bairro com histórico de mobilizações. Foi assim quando os moradores constrangeram o poder público ao pagar o aluguel de um prédio para funcionamento do Posto Policial; quando fizeram quermesse para comprar material desportivo para o time de futebol da comunidade; e, mais recentemente, quando lutaram para reduzir desapropriações injustas no processo de implantação do VLT. E nesse esforço por questões de cidadania está o direito de ser brincante.