Sobre a coleção Airton Queiroz
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 03 de agosto de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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A coleção Airton Queiroz, exposta no espaço cultural da Universidade de Fortaleza, impressiona por ser constituída a partir de um conjunto de obras de grande relevância para as artes plásticas internacionais, mas causa impacto também por romper com uma percepção comum de que o Ceará é totalmente desprovido de uma elite sensível e de refinado senso estético.

Em sua apresentação, Airton Queiroz deixa claro que o acervo construído ao longo de cinco décadas é fruto de um processo familiar de educação de preferências, desenvolvido a partir dos cuidados da sua mãe Yolanda (1928 – 2016) e do “olhar estético” da mulher Celina (1952 – 2013), em viagens pelo mundo, começando pelo Brasil de Anita Malfati, Antônio Bandeira, Benedito Calixto, Di Cavalcante, Portinari, Raimundo Cela e Tarsila do Amaral.

A exposição não só revela uma variedade da arte, do olhar e do apreciar, que vai das pinturas de Albert Eckhout e Frans Janszoon, do séc. XVII, à arte contemporânea de Delson Uchôa e Beatriz Milhazes, no séc. XXI, passando por originais significativos de Chagall, Dalí, Debret, Diego Rivera, Fernando Botero, Matisse, Miró, Monet e Segall.

Em um lugar como Fortaleza, onde quem tem muito dinheiro e poder procura se distinguir pela ostentação, Airton Queiroz mostra que nem tudo está fadado à mediocridade. Essa observação vale inclusive para o ambiente acadêmico, cada vez mais maltratado e descuidado em termos de consistência no campo dos conceitos estéticos.

Neste aspecto, ao fazer do prédio da sua reitoria um lugar de apreciação, reflexão e transformação, a Unifor destaca-se como excepcionalidade entre as instituições privadas de ensino superior, marcadas pela estética do confinamento, o que desvirtua gravemente o que seria o foco central de seus interesses educativos.

Ao ser tornada pública em um espaço universitário, a coleção Airton Queiroz permite ainda que a população não acadêmica tenha acesso a uma diversidade botânica, com fontes e esculturas, dos bem cuidados e exuberantes jardins da Universidade de Fortaleza, uma das maravilhas de uma cidade que dia após dia reduz estupidamente o seu bem estar verde, suas sombras, seu frescor.

A atitude de Airton Queiroz mostra que ele não se deixou influenciar pela escassez de valores predominantes na sociedade em que vive. A grandeza desse gesto expõe traços honrosos de um empresário e cidadão que se distingue em suas aspirações, formas de experimentação e estilo de vida. O cotidiano da cidade torna-se mais pleno quando se abrem processos de interação social para que as pessoas percebam umas às outras.

A exposição de um acervo particular é uma demonstração da intenção do dono das obras de compartilhar o que o encanta, mas é também a revelação de um conjunto de crenças. Em uma cidade marcada por tantas desigualdades é natural que um evento desse tipo cause julgamentos peculiares conforme as variáveis individuais de sentimentos e expectativas de cada percebedor.

A noção de valor passa por controvérsias e dissonâncias em seu movimento cognitivo e comportamental. Entendo que uma das perguntas que cada visitante dessa Coleção deveria fazer a si mesmo seria: “O que eu faria nas mesmas circunstâncias?”. Ao provocar essas e outras indagações, Airton Queiroz atua como agente formador de pertinência e referência.