Pódio para a nossa cultura
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 24 de agosto de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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Apesar da indução de caráter terrorista por parte daqueles que, a título de preocupação com ameaças, pregaram a prática de atentados nos Jogos Olímpicos do Rio 2016, e apesar da bandalheira dos que degeneram a política no Brasil, a cultura brasileira subiu ao pódio dos povos que merecem a medalha de ouro do acolhimento e da confraternização entre os diferentes e as diferenças.

Já na festa inaugural (05/08), a nossa miscigenação foi coreografada por Deborah Colker e o nosso espírito inventivo representado por uma réplica do avião 14 Bis, de Santos Dumont, com sublimação de Paulinho da Viola interpretando o Hino Nacional.

As competições foram emocionantes, com ouros inéditos conquistados até pelo nosso usurpado futebol, recordes abundantes de Michael Phelps, carisma e excelência ao estilo Usain Bolt, integração calorosa de atletas refugiados, pódio de Rafaela Silva para a Cidade de Deus, garra campeã do vôlei masculino verde e amarelo, enfim, êxito total.

A realização de eventos desportivos com muitas delegações de lugares diferentes, como os Jogos Olímpicos, abre a todo instante janelas para o nosso olhar além das disputas por medalhas. Enquanto torcemos pelos atletas e nacionalidades da nossa preferência, um pensamento vai chamando outro e quando se nota muita coisa passou pela cabeça.

No dia em que vi a prova final de bicicross feminino, chamou a minha atenção a forma insistente com que o narrador distinguia a ciclista colombiana da estadunidense. Mariana Pajon, medalha de ouro, era a latina, e Alise Post, medalha de prata, a americana.

Infelizmente, continuamos bombardeados por essas expressões de colonização mental. Mais agradável seria ouvir que a medalha foi para a americana Mariana Pajon, da Colômbia. Afinal a referência a Américo Vespúcio dada pelos cartógrafos do século XVI ao nosso continente está associada aos seus relatos sobre a terra que viria a ser a América do Sul.

Com relação a aspectos questionáveis dos Jogos Olímpicos como um todo, cabe destacar um certo desconforto de ver o tanto de modalidades que tem, por exemplo, a natação, enquanto um esporte como o futsal, que é praticado nos cinco continentes, não consegue ser admitido como olímpico. E o futsal está para o Brasil como o basquete para os Estados Unidos.

Não vale o argumento de que existe um número máximo de modalidades, haja vista que o golfe, que tinha sido inserido duas vezes há mais de cem anos, voltou sorrateiramente nas Olimpíadas 2016. E, como esporte de promoção de resorts e shoppings, não contou sequer com as suas principais estrelas, que se recusaram a vir ao Brasil com medo do mosquito da zika.

Os Estados Unidos, líderes em medalhas, ficaram também com a liderança no quesito de desrespeito, com sua goleira de futebol armada de repelente e seus nadadores indiciados por vandalismo e falsa comunicação de crime. Mas nada disso abalou o clima e a grandeza do evento, encerrado (21/08) ao som de artistas como Martinho da Vila, Roberta Sá e Marcelo Pretto, numa beleza de espetáculo que teve dança do Grupo Corpo ao barro cru do Mestre Vitalino e projeções futuristas de obras dos artistas plásticos pré-históricos da Serra da Capivara.