O destino da Serra da Capivara
Artigo publicado na RIVISTA do MINO nº174 (Editora Riso), p. 30
Edição de setembro de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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Na cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos Rio 2016, realizada no estádio do Maracanã (21/08), imagens com pinturas e gravuras rupestres pré-históricas do Parque Nacional da Serra da Capivara, localizado no Piauí, integraram os ícones brasileiros lindamente compartilhados com o mundo.

A beleza e a importância dessas obras não têm encontrado, no entanto, a devida atenção da sociedade e dos governos brasileiros quanto à sua preservação. E nele estão os mais remotos vestígios da ocupação de pessoas na América do Sul, com restos de carvão em fogueiras datadas de 22 mil e 50 mil anos.

Pois foi desafortunadamente durante o período das olimpíadas que a arqueóloga Niède Guidon deixou a presidência da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), responsável pelo manejo desse parque de 130 mil hectares, reconhecido pela Unesco como Sítio Patrimonial da Humanidade.

Museu a céu aberto, com 172 sítios arqueológicos e espaço interativo virtual no meio da caatinga, onde se encontra o crânio humano mais antigo do Brasil, com 12 mil anos, o parque da Serra da Capivara corre perigo sem a sua admirável fundadora e empreendedora sociocultural e científica.

A saída de Niède, 83 anos, pesquisadora paulista, de Jaú, que há quatro décadas dedica-se intensamente à conservação e estruturação dessa área que abrange os municípios de São Raimundo Nonato, Canto do Buriti, Coronel José Dias e São João do Piauí, deve-se a uma circunstância extrema de falta de recursos a que chegou o projeto.

A manutenção do parque vinha sendo asfixiada e atingiu o estado de exaustão. Trata-se do estrangulamento de uma situação crônica decorrente de maldades burocráticas, incompreensões culturais e mesquinhez política. Um dos maiores problemas enfrentados pela Fumdham são as verbas que deveriam chegar ao parque, mas ficam pelo meio do caminho.

O sonho de Niède Guidon era que o Parque Nacional da Serra da Capivara pudesse funcionar com excelência técnica e operacional, como ocorre em parques da Austrália e da África do Sul. Nos últimos dez anos ela até conseguiu que fosse construído um aeroporto internacional em São Raimundo Nonato (517km de Teresina), mas o funcionamento é precário.

A dificuldade de acesso e de estrutura de hospedagem tem limitado o número de visitantes a cerca de 20 mil pessoas por ano. Claro que a Serra da Capivara tem potencial para atrair muitos e muitos mais interessados. Não é pouco ser o lugar onde está o maior conjunto de artes plásticas pré-históricas do planeta, produzidas por nossos ancestrais em camadas de milênios.

Com vestígios que comprovam a presença humana no Piauí há pelo menos 50 mil anos, as revelações desse parque põem em xeque várias especulações científicas, a exemplo da que afirma termos ocupado o continente por meio do estreito de Bering, em uma migração da Ásia para a América do Norte, ocorrida há 12 mil anos.

A integração e o comprometimento das populações nas ações de preservação cultural e ambiental foram sempre um dos pontos de atenção e conquista de Niède Guidon. Um trabalho também de proteção à caatinga, esse bioma exclusivo do nordeste brasileiro. Com a sua saída nessas condições, o parque segue aberto, mas entregue à própria sorte.