O mercado e a Feira da Música
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 28 de setembro de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil
FAC-SÍMILE
Quando a Feira da Música de Fortaleza foi criada, há 15 anos, o programador estadunidense Shawn Fanning tinha acabado de difundir o Napster, pioneiro no compartilhamento de música pela internet. No Fórum da Música Plural Brasileira, onde a feira nasceu, havíamos lançado um portal que era um misto do que viria a ser o MySpace, mas não contávamos com a tecnologia adequada para fazer valer o seu potencial.
O modelo de negócio das gravadoras, baseado nas vendas físicas, entrava em declínio e só foi começar a ter uma perspectiva de reinvenção por volta de 2008, quando entrou em operação o Spotify, dando início ao mercado de streaming. De lá para cá, as vendas digitais por downloads, assinaturas e telefonia móvel já alcançaram quase à metade da receita do comércio global de música.
No Brasil, onde o número de smartphones supera o da população, o digital há tempos ultrapassou a marca dos 50% das vendas. Há por aqui cerca de 70 milhões de usuários de serviços de streaming, gerando um faturamento da ordem de oito bilhões de reais, considerando o dólar baixo, na faixa de R$ 3,25, e incluindo publicidade.
A vantagem comercial do serviço de streaming, além dos ganhos em escala, é que ele transmite áudio e vídeo sem precisar baixar, o que reduz o preço de acesso pela metade, comparando, por exemplo, com os downloads da loja iTunes. Assim, Spotify, Google Play, Rdio, Deezer, Apple Music e outros, ofertam catálogos com milhões de faixas, restritas à audição do assinante.
A indústria do entretenimento de massa renovou os antigos esquemas de ganhar dinheiro com fonogramas que já se pagaram, por meio de playlists com coletâneas, sets de DJs, rankings de mais ouvidas e curadorias temáticas. A falsa sensação de escolha revela-se numa efetiva canalização de preferências e a maioria das pessoas acaba sendo levada a escutar o mesmo som.
Os serviços de recomendação de música, normalmente incorporados a grandes plataformas, lançam mão dos recursos de algoritmo para oferecer aos usuários fonogramas de traços afins, prontos para serem gostados. Os agrupamentos vão desde música para malhar, para comer e dormir até sons para relaxar, pedalar e protestar. Sem muito esforço, o consumidor encontra sempre um produto musical que se encaixa no seu perfil.
Analisando fatos e cenários da dinâmica do mundo musical, e pensando em uma sentença que poderia resumir esses 15 anos da Feira da Música, diria que ela é um nodo de articulação mundial na busca por um mercado justo de produção independente, diante das oportunidades criadas pelas novas tecnologias e da necessidade de alternativas aos negócios disruptivos da nova economia da música, onde tudo mudou, menos a lógica especulativa.
Percebo que o principal desafio dessa iniciativa é o de continuar descobrindo soluções para as questões da música, em condições à parte das que são impostas pelas velhas estruturas de produção e comercialização do setor e pelo capitalismo digital e sua pressão por uma velocidade hipoteticamente destituída de espaço.
A Feira da Música é um campo de batalha de agentes culturais, econômicos e governamentais que acreditam na força dos produtores, das associações, dos coletivos, redes, cooperativas e empreendimentos individuais. E, claro, no poder engrandecedor da música.