40 anos de Bia Bedran
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 12 de outubro de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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A dona Wanda, mãe da compositora, cantora e contadora de histórias Bia Bedran, dizia que um quintal é o primeiro palco que uma criança deve pisar. E foi dentro dos muros sombreados da casa de uma irmã em Niterói (RJ) que ela e sua família montaram o Quintal Teatro Infantil, aberto ao público, de cujos espetáculos a adolescente Bia cuidava da direção musical.

Muitas histórias se passaram por ali. Até que um dia a jovem Beatriz foi conhecer a Festa do Divino em São Luiz do Paraitinga (SP). Nessa viagem ela conheceu o violeiro Victor Larica e o baixista Ricardo Medeiros, com os quais criou a trupe Bloco da Palhoça. Depois, chegaram o Guilherme Bedran e o Paulão Menezes e, em 1976, eles gravaram um disco que levava o nome do grupo.

No repertório, músicas como Menino me Conta (Bia Bedran), que tem muito da brasilidade vivenciada pela compositora ao redor da fogueira de violeiros, sanfoneiros e cantadores reunidos em São Luiz, terra de sacizada: “Numa encruzilhada escutei um assobio / Um moleque pedia fogo para fumar / Como eu não tinha fogo / Ele deu uma risada esquisita / Dizendo: Saci Pererê vai te assustar”.

Essa brincadeira está fazendo 40 anos e eles resolveram comemorar gravando uma nova versão do Bloco da Palhoça, que está sendo lançada em CD pelo selo Angelus, de Bia Bedran. Em seu livro A Arte de Cantar e Contar Histórias (Nova Fronteira), ela afirma que foi nas andanças pelo Brasil com esse grupo que aprendeu o ofício de cantar para e com as crianças.

Nessas quatro décadas, Bia Bedran tornou-se a principal referência brasileira da música infantil que conta histórias e das histórias para crianças que viram cantigas. Graduada em musicoterapia e em educação artística, com mestrado em Ciência da Arte pela UFF, ela conduziu exitosos programas nas tevês Educativa e Cultura, no rádio e segue fazendo palestras e espetáculos musicais e de contação de histórias nos palcos do Brasil.

Em sua obra, Bia Bedran observa e respeita a maneira espontânea como meninas e meninos exploram os sons e as palavras, oferecendo temas diversos e engrandecedores de forma poética e divertida. Cada canção e cada história são compostas por gestos que são sensações e cirandas de afetos, símbolos e memórias.

As palavras, na interpretação de Bia, participam da voz dos sons, enquanto os sons se fazem presentes nos sentidos das palavras, o que faz com que a criança siga sempre uma ideia na satisfação de cantar. É o fato de ser arte como personagem, relação, cenário, paisagem e ambiente que distingue o fluir e o fruir incessante do seu trabalho.

Sempre tão sincera e acessível, a essência que une o cantar e o contar de Bia Bedran desperta emoções e sentimentos que muitas vezes estão apenas esperando estímulos para abraçarem os sons redondos, calorosos e profundos que expressam. Isso acontece porque sua música e seu contar são exemplos de um jeito bem peculiar de ser e de tocar a vida.

No livro Dona Biazinha (Armazém da Cultura), no qual a escritora cearense Fabiana Guimarães homenageia a artista que morava dentro da menina Beatriz, há uma estrofe que diz assim: “E o seu quintal…?! / Era musical! / Lindo madrigal / Na beira do mar”. Esses versos felizes bebem na fonte primária do tempo da infância, por onde Bia Bedran trafega com a organicidade sensível de sua obra.