Parâmetro de bem comum
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 19 de outubro de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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Antes mesmo de fazer qualquer consideração ao livro Os Escandinavos (Contexto, 2016), do diplomata Paulo Guimarães, quero, de antemão, recomendá-lo como uma leitura necessária, diante da urgência brasileira por outras frentes de pensamentos e experiências sociais que possam inspirar alternativas aos desgastados sistemas do capitalismo liberal e do socialismo revolucionário.

O autor, que é diplomata de carreira e casado com uma nórdica, discorre sobre o Estado de bem-estar escandinavo e seus ajustes decorrentes do novo mapa político, econômico e social do mundo, com a propriedade de quem estudou na Suécia, atuou na embaixada do Brasil na Noruega, onde se ocupou também da relação com a Islândia, e trabalha na embaixada brasileira na Dinamarca.

Um aspecto que me anima no êxito dos povos da Escandinávia é que há cem anos eles viviam praticamente da pesca, da pecuária ovina e do extrativismo da madeira, em condições insalubres, e hoje são lideranças mundiais em afluência econômica e elevados níveis de qualidade de vida. Isso, vivendo em escassas terras férteis, geografia montanhosa, geleiras, vulcões e em clima adverso.

A leitura de Os Escandinavos abre frestas para o entendimento de como foi possível desenvolver um mercado eficiente, com regulação das injustiças que podem ser causadas pelo poder do capital. Os elementos de coesão são tão fortes e consistentes que os governos, de esquerda ou de direita, respeitam os parâmetros do bem comum que levam inclusive os cidadãos mais ricos a se sentirem igualmente interessados e responsáveis pelo bom funcionamento de todo o sistema.

O alto desempenho dessas sociedades está associado à universalidade da educação e da seguridade social, com boa rede de infraestrutura e logística. Sem contar que “persiste na sociedade nórdica um grau de desapego generalizado (ou até desprezo) por considerações de status baseadas em riqueza pessoal ou numa suposta hierarquia entre classes sociais” (p.90), o que elimina a praga da ostentação.

O pavonear herdado pela lógica burguesa do século XIX foi superado com a valorização do que o autor sintetiza como o sentimento de todo o povo escandinavo de pertencer a uma comunidade e de se esforçar pela melhoria do seu entorno. Contou também, para isso, a evolução do conhecimento, o peso da honra e da humilhação, remanescente da moral viking, e o espírito de cooperação regional que, sem precisar fazer ajuste de contas de um passado de guerras entre reinos, resultou em uma cultura de descobertas, invenções e inovações permanentes.

Mantendo a vocação marítima e os costumes do campo, eles passaram a oferecer ao mundo novidades como a caixa de fósforos com fita abrasiva de segurança, chave inglesa, papel sulfito, máquina de ordenha, rolimã, geladeira, aspirador de pó, gravador magnético de som, alto-falante e a dinamite. Várias são as marcas escandinavas presentes em nosso cotidiano, tais como Atlas, Ericsson, Electrolux, Scania, Volvo, Nokia, Lego e Tetra Pak.

Mais do que tratar de fatos e estereótipos presentes nessa bem-sucedida experiência sociocultural e política, Paulo Guimarães oferece ao leitor a possibilidade de ampliação de perspectivas, por meio de páginas bem escritas que trazem com clareza e riqueza de detalhes referências do inspirador modelo escandinavo do Estado de bem-estar.