O antimérito de Donald Trump
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 02 de novembro de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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Nunca um candidato estadunidense me pareceu tão autêntico quanto Donald Trump (69). O milionário nova-iorquino que concorre à presidência de um dos países que mais promovem a violência no mundo talvez não ganhe a eleição porque se revelou legítimo demais. Hillary Clinton (68), sua adversária chicaguense, é tão idiossincrática quanto ele, mas tem a habilidade da dissimulação, o que a torna ideal para ser a candidata da ordem ideológica dominante naquele país.

Trump é um ato falho do sistema eleitoral norte-americano, um maledicente narcísico que ficou fora de controle e conseguiu arrebatar quase a metade das intenções de votos da terra do tio Sam. Como âncora de reality show, controlador do mercado de concursos de misses e candidato da militarização social, ele passou a ser um forte representante de uma gente para a qual o resto do mundo só existe para servi-la em seu ímpeto consumista.

A crise social e econômica dos Estados Unidos, que se arrasta desde o estouro das bolhas especulativas do sistema financeiro em 2008, vai ameaçando mais e mais o chamado “Sonho americano” do sucesso e da prosperidade, a ponto de não ser possível conter os avanços de um candidato coerente com o pensamento médio daquela sociedade distinguida por sua prepotência e preconceito.

Quando Donald Trump canta que vai enxotar os imigrantes ilegais e proibir a entrada de novos – sobretudo refugiados das guerras que estão patrocinando no Oriente –, está atuando como solista do coro de seus compatriotas que ojerizam mexicanos e muçulmanos; para dizer melhor, latino-americanos, asiáticos e africanos de modo geral. Mesmo os que também têm direito de votar na eleição presidencial, que é indireta.

A loucura de Trump se fortalece em desejos reprimidos dos norte-americanos que pregam absurdos como a construção total de um muro separando a fronteira entre os EUA e o México. Claro que mantendo em seu domínio o amplo território que eles tomaram dos mexicanos e que compreende quase a totalidade das áreas dos estados do Arizona, Califórnia, Colorado, Nevada, Novo México, Texas, Utah e Wyoming.

O desespero para recuperar os empregos exportados pela debandada industrial ocorrida no final do século passado, em busca de mão de obra escrava em países vulneráveis, também aproxima muitos eleitores do candidato Trump, que promete retomar o jeito certo de explorar o mundo, seja ampliando o poderio militar ou produzindo energia à base de carvão.

A máxima de Donald Trump que parece excitar mais os que com ele se identificam é uma voltada para a cobrança de gratidão por parte dos países subjugados pelos EUA, a fim de que este país possa seguir no controle do poder global, ainda que, para isso, sacrifique os interesses dos aliados. E mais, como líder mundial do mercado de armas, está disposto a estrompar a rosca da paz, promovendo a universalização das armas, inclusive nas escolas.

De tudo o que Trump representa, talvez a população só não encare muito bem o fato de dois dos seus três casamentos terem sido com mulheres do leste europeu; de ele acusar os próprios estadunidenses de terem inventado o Estado Islâmico; e a bombástica revelação de que, para ele, as eleições norte-americanas são fraudulentas. Isso fere os brios de uma nação que é ou pensa que é democrática.