Filmes musicais para as crianças
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 09 de novembro de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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Tenho uma alegria enorme quando sei de trabalhos primorosos destinados às crianças. É o caso dos três filmes musicais de animação que o canal SescTV vai exibir ao longo deste mês de novembro. Integrando personagens reais com intervenções gráficas envolventes, essa produção francesa vai além do seu objetivo inicial de instigar meninas e meninos a se interessarem por música clássica.

Por ordem de estreia, sempre aos sábados, às 19:30 (hora de Fortaleza), as crianças poderão ver: dia 12, O Carnaval dos Animais (Gordon); dia 19, Pedro e o Lobo (Gordon, Leconte e Lyet); e dia 26, As Quatro Estações de Antoine (Béziat e Gordon). Todos com duração de 30 minutos e reapresentações na televisão e pela internet, em dias e horários variados.

O Carnaval dos Animais é uma adaptação da peça do mesmo nome, de autoria do compositor francês Camille Saint-Saëns (1835 – 1921) e roteiro do ator argelino Smaïn Faïrouze. Com a participação da Orquestra da Rádio França, conta de uma festa com diferentes bichos. Em As Quatro Estações de Antoine, adaptação da famosa peça do compositor italiano Antonio Vivaldi (1648 – 1741), um garoto faz desenhos que ganham vida no ateliê do seu avô, que trabalha como luthier de violino.

Deixei Pedro e o Lobo por último – apesar de na sequência de exibições ele ser o segundo – porque dos três filmes este é o que já vi por completo e que me inspirou a fazer alguns comentários. Obra do compositor ucraniano Serguei Prokofiev (1891 – 1953), esse conto, protagonizado por músicos da Orquestra Nacional da França, é uma aventura de sons, onde a flauta se faz pássaro; o oboé, pato; o clarinete, gato; o fagote, avô; os tímpanos, tiros de caçadores; a trompa, o lobo; e os instrumentos de corda, o menino Pedro.

Uma coisa que muito me agrada nesse tipo de filme é o respeito pela distância entre as ilustrações e o que a criança vê. O espaço para a subjetividade das percepções é oferecido por esquemas gráficos e cores comedidas que facilitam a participação de meninas e meninos na criação do sentido da história. Cada qual pode seguir o que procura quebrando a inércia em satisfação contemplativa.

A música oferece perspectivas de exploração imaginária para a criança preencher o enredo com elementos do seu espaço vivificante. Nessa aproximação de mundos, a aventura se desenrola em vibrações sonoras, tons, melodias e pistas sugeridas pelo tempo dos instrumentos ao tempo da criança: pelo som, sabe-se da aproximação do lobo ou do afastamento do pato deslizando no gelo.

As palavras do narrador, o desenho dos bichos, os grafismos, os músicos/atores, o menino e a música entram em situação conectiva em função do que as crianças acreditam que está acontecendo na história. A música não é o som em si, mas a relação entre sons, ruídos, modulações e pausas. Tudo é sentido, o que se ouve e o que se move, o que não emite som e o que fica parado.

O filme trabalha muito bem estímulos que contribuem para a construção da sintaxe da consciência e do pensamento. Dá tempo ao tempo interior da criança, a fim de que ela sinta o som da flauta voando com o passarinho, a corda do violino do Pedro capturando o lobo pela cauda e os instrumentos acionados como parte de um sistema de alarme e de harmonia dos seres vivos.