Vital Farias, Lula & Cia.
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 16 de novembro de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil
FAC-SÍMILE
Por muitas e muitas vezes, em anos passados, me vali de uns versos do compositor paraibano Vital Farias para ponderar o descrédito em que havia se metido o Partido dos Trabalhadores no governo da República: “O que se corta num segundo / gasta tempo pra vingar”. Com esse argumento de que a gente precisa ter cuidado para não jogar por terra algo que leva tantos anos para ser construído, tentava convencer pessoas em situação de desânimo a não saírem falando mal do então presidente Lula.
Os fatos gritaram mais alto do que os nossos desejos e, nas últimas eleições, as vozes das urnas confirmaram a derrocada do PT. A conjuntura é difícil, com golpistas no poder e uma esquerda desacreditada, esfrangalhada e sem a menor paciência para ouvir o que pensam seus antigos apoiadores, militantes e simpatizantes. Enquanto isso, a energia renovável da juventude agita o país, mas não consegue iluminar a sociedade porque a rede de transmissão dessa força política, que são os partidos, parece ligada apenas em si mesma.
Escuta-se o farto eco de “Fora Temer”, como se bastasse a identificação de um inimigo comum para cerzir as bandeiras rasgadas. Na Cantoria realizada sábado (12) no Centro de Eventos do Ceará, com Elomar, Vital Farias, Geraldo Azevedo e Xangai, aconteceu um momento de catarse que traduz bem os tempos críticos atuais. Ao tocar e cantar a música “Tu não engana de novo” e exaltar a Operação Lava Jato, Vital Farias (73) foi vaiado por um grupo que o chamou de golpista. Vital revidou, acusando os manifestantes de petistas, e disse que é preciso abrir a cabeça para a complexidade do que está acontecendo.
Vital Farias tinha cantado antes a Saga da Amazônia, composta por ele há 35 anos, e havia sido ovacionado. Fez provocações bem humoradas quando interpretou o Ato Penitencial (Senhor Tende Piedade de Nós), da Missa do Agricultor, e pediu aos ateus que entoassem o refrão. Mostrou obras que muitos desconheciam, considerando-se que durante o governo da esquerda que ele “apalavrou”, as verbas oficiais foram prioritariamente destinadas à música comercial de massa, associada ao agronegócio. E desabafou: “Minha música pode não tocar no rádio, mas toca o coração das pessoas”.
Dos quatro cantadores, que gravaram juntos os discos Cantoria (1984 e 1985), há de se convir que dois deles, Elomar e Vital Farias, são lendas vivas em estado puro, sensíveis e brutos, verdadeiros e controversos. A tensão foi aliviada pela força do repertório do espetáculo. A plateia voltou a cantar, mas esse episódio me remeteu à postura de outro paraibano, o compositor Geraldo Vandré, autor de Para Não Dizer que Não Falei das Flores, que quando retornou do exílio preferiu ser acolhido por militares do que por militantes que com ele tinham caminhado e cantado.
Na saída, ouvi muitas pessoas falando mal de Vital Farias. Gente que foi ao Cantoria com a expectativa de se reencontrar com alguma utopia perdida e deu de cara com o abismo político que está criado no Brasil. Prestei atenção nos desabafos e limitei-me a repetir o argumento que antes usava para pedir prudência quando alguém destratava o Lula: “O que se corta num segundo / gasta tempo pra vingar”. Não aparece um Vital Farias da noite para o dia. E vale lembrar que temos uma noite longa pela frente.