Shakespeare no palco Brasil
Artigo publicado na RIVISTA do MINO nº177 (Editora Riso), p. 18
Edição de dezembro de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil
FAC-SÍMILE
Escancaradas as cortinas do palco principal da vida política brasileira, revelou-se o teatro da democracia controlada, do estado de pós-verdade e da distopia, em dramas que trouxeram à tona muito do que era tácito. Personas da degradação moral e cultural dos vitoriosos em conflitos de inveja e ódio com os derrotados trocam de máscaras enquanto figurantes de grupos narcísicos eletivos se projetam pelas frestas da sensação de impossibilidade que invade a caixa cênica do país.
A plateia vaia a tragédia rocambolesca e pede que se acendam as luzes. Um grupo de sete estudiosos de William Shakespeare (1564 – 1616) resolveu refletir sobre essa conjuntura, a partir da obra do dramaturgo inglês, com a devida reverência a Barbara Heliodora (1923 – 2015), a mais importante pesquisadora brasileira shakespeariana. O resultado desse trabalho está reunido no livro “O mundo é um palco – Shakespeare 400 anos: um olhar brasileiro” (Edições Janeiro, 2016).
A obra tem revelações preciosas como a afirmação da atriz Fernanda Montenegro de que foi seu encontro com Hamlet, no lançamento do Teatro do Estudante (década de 1940), que definiu a sua opção de viver e morrer a cada encenação. José Roberto de Castro Neves, autor de “O Direito e Shakespeare”, ressalta a figura de Henrique V como um soberano herói e modelar, que ousou andar disfarçado pelo acampamento inglês e, assim, entender que os serviços dos súditos estavam à disposição do rei, mas suas almas não.
Autor de livros sobre Direito e Cultura, Joaquim Falcão aborda o dilema entre o pedir e o ordenar no exercício do poder. O economista Gustavo Franco, autor de “Shakespeare e a Economia”, parceria com Henry Farnam, reflete sobre a ilusão doentia de superioridade moral, a ideologia como removedora de remorsos e outras fraquezas dos poderosos. Liana Leão, editora do arquivo digital Global Shakespeare, do MIT, transita pelo fascínio dos vilões que tiveram sua escuridão explorada pela poética shakespeariana.
Theófilo Silva, escritor e autor de “A paixão segundo Shakespeare” e “Shakespeare Indignado” fala da relação visceral do dramaturgo com a música. E o psicólogo José Ernesto Bologna, fundador e presidente da Ethos Desenvolvimento Humano, encerra a publicação tratando o drama brasileiro com um amplo leque de conceitos, sonhos e pesadelos. No palco Brasil, ele joga seus holofotes para um lugar onde ‘não ser’ tornou-se uma forma de poder, onde os destinos tendem a negar as origens e onde o descaso com a cultura abre espaço para o triunfo das nulidades.
Entre curiosas provocações que se estendem desde o que dizem os nossos nomes até a necessidade de vermos os fatos como eles deveriam se tornar, Bologna escolhe a “estética da honra” em Henrique V, como saída para um país carente de lideranças honestas, corajosas e exemplares. Na Batalha de Azincourt (1415), com um número de soldados muito inferior ao do exército francês, o soberano inglês incendeia aderências com um discurso de percepção da glória que há no enfrentamento do impossível, e vence.
A criança que no texto de Bologna está prestes a nascer correria o risco de viver em um país sem líderes, não fosse a fala imaginada que prefere pensar que esses líderes já nasceram, que estão nas ruas e que surgirão a qualquer momento de algum lugar. Que assim seja!!!