Ceará instrumental
Artigo publicado no Jornal O Povo, Caderno Vida & Arte, página 6
Terça-feira, 09 de Novembro de 1999 – Fortaleza, Ceará, Brasil
Para as músicas que são feitas com letra e melodia de qualidade, o mercado brasileiro tem sido cruel e excludente. Por aí pode-se imaginar o quanto é difícil a valorização da nossa produção instrumental. Diante dessa realidade dura e, apesar de atuarem normalmente por trás dos cantores e cantoras, os músicos cearenses resolveram provar que não são espécie em extinção. Voltados especialmente para repertórios próprios, vêm gravando discos e fazendo apresentações, num processo lento, mas crescente, de formação de platéia. Essa intenção estruturada nasceu com a proposta de auto-respeito dos músicos da Banda Officina.
Contando assim, talvez nem dê para assimilar bem a dimensão do show “Iracema Instrumental” que a Banda Officina fez no Theatro José de Alencar em junho de 1986. Eugênio Matos (teclados), Cristiano Pinho (guitarra), Roberto Stepheson (sax), Pantico Rocha (bateria) Nélio Costa (baixo) e Ocelo Mendonça (cello e flauta), interpretaram musicalmente a obra do mais consagrado escritor cearense e, com criatividade, inovação e crença, fincaram um inigualável marco da música instrumental feita no Ceará. Mais de uma década depois, todos eles provaram que seus sonhos eram mesmo possíveis.
Eugênio Matos, que volta a se apresentar em Fortaleza, ensina na Escola de Música de Brasília e está lançando o CD “Nas malhas de Kabir”, piano solo, em homenagem ao lendário tecelão, poeta e músico indiano, nascido em Benares. Antes, havia lançado o new age “Reflexões”. Cristiano Pinho, conquistou o reconhecimento de melhor guitarrista local e também já lançou um disco com composições próprias, intitulado “Pessoa”. Nélio Costa, andou pela Alemanha, gravou por lá oito das dez faixas do seu CD “Das origens”, que lançou recentemente em Fortaleza. Ocelo Mendonça é violoncelista da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional, em Brasília, Roberto Stepheson, participa de um grupo carioca, com o qual lançou recentemente o CD “Sembatuta” e, como Pantico Rocha, vem agregando brilho ao som de grandes nomes nacionais da MPB.
Assim como a intentona do som progressivo da Banda Officina, outros grupos surgiram nesse período, contribuindo para sedimentar o panorama musical cearense. O Syntagma, de Liduíno Pitombeira, Duda di Cavalcante, Angelita Ribeiro e tantos outros músicos virtuosos, conquistou platéias para a música antiga e, com instrumentos de música antiga, para o deleite do cancioneiro popular. Gravou um disco homônimo e ramificou-se em pequenos grupos específicos. Das tardes de sábado do Cais Bar, na Praia de Iracema, surgiu o grupo de chorinho Esperando a Feijoada, cujo disco tem repertório à base de Ernesto Nazareth, Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo e Pixinguinha. E os anos 90 não poderiam terminar sem um registro da Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto, com seus apoquentados pífanos, caixas, pratos e zabumba. E a Equatorial cumpriu essa tarefa.
Não precisa estar muito atento para perceber a diversidade da nossa biblioteca sonora. Se desse para incluir aqui os excelentes músicos que temos espalhados em orquestras pelo país afora, seria uma enxurrada de talentos que não acabaria mais. Dá gosto refletir sobre os avanços de uma gente tão versátil, lutando por um céu azul para a sua clave de sol. Inspirados, discretos e cristalinos em suas criações, os músicos cearenses não querem disputar espaço com quem canta. Entendem que é outro nicho, outro setor, com total condições de coexistência. E a compreensão por parte dos intérpretes e de alguns produtores de eventos é das melhores. Tanto que a chance de exibição de música instrumental na abertura de shows vem aumentando.
De tudo, temos boas referências. São mais de dez os CDs instrumentais gravados nos últimos anos. Além dos já citados, lembro do “Nômade”, com a viola cortante e arrebatadora do Manasses; “Som de Bandolim”, de Jorge Cardoso; “Artesanato”, com as imagens serenas do piano de Érico Bayma; “Lembrança”, com as boas trilhas de aço e nylon de Marcílio Homem; “Ciclos”, no violão de Marcos Maia; “Pandeiro”, do prodigioso pianista Antônio José Forte; “Mares”, percussão de Alex Holanda; e “Choro da Madeira”, o mais recente dos tantos que a fertilidade de Nonato Luis tem semeado pelo mundo. O exímio violonista Tarcísio Sardinha entra em fase de conclusão do seu esperado “Brasileirando”, com composições próprias no exercício da musicalidade brasileira.
Há os instrumentistas que resolveram cantar e emplacaram. Zivaldo Maia tinha gravado “Violão puro e simples” e partiu para “Zivaldo Canta”, com canções românticas, seresteiras e sambas nostálgicos. Waldonys, com “Aprendi com o Rei”, consolida sua entrada para o restrito clube dos músicos que gravaram disco cantando, depois de ter sedimentado de forma impecável e em âmbito nacional seu espaço como sanfoneiro. Há os que gravaram fora e voltaram a morar em Fortaleza com a obra pronta, a exemplo do flautista Heriberto Porto, que fez seu disco na Bélgica. E há, ainda, os que passaram tanto tempo ausentes do Ceará e da música, como é o caso do pianista Ricardo Bezerra, que está trabalhando a idéia de voltar a gravar e, quem sabe, remasterizar o antológico “Maraponga”.
Com trabalhos solos, com tantas gravações provocadas pela atual ebulição musical cearense e com o aproveitamento gradual das chances de exibição para o público, os músicos locais encorpam o desejo de mostrar o valor que têm e que a gente merece conhecer. Piano e teclado respondem também pelo nome de Paulo Danziato, Francisco Casaverde, Maria Helena Lage, Marcus Vini, Lucile Horn, Tony Maranhão, Ricardo Bacelar e Nara Vasconcelos. Violão, pode chamar Tarcísio José de Lima, Cláudio Costa, Ney Vasconcelos, Carlinhos Crisóstomo, Alencar Boa Viagem, Melquíades, Carlinhos Patriolino, Paulo Rogério, Francisco Weber, Marco Túlio e Marcos Nunes. O nome do baixo é Ricardo Leite, Luís Miguel, Edmundo Júnior, Aroldo Araújo e Emílio Schlaapfer. Guitarra atende por Mimi (Aldemir Rocha), Fernando Catatau, Ronaldo Pessoa, Lifanco, Flávio Rangel, Moacir Bedê e Gerardo Gondim.
Macaúba, é sinônimo de bandolim. Sax é Márcio Rezende, Carlinhos Ferreira, Elismário Pereira, Johnson Joanesburgo e Ferreirinha. Adelson Viana, Zé do Norte (José Lázaro), Luizinho Calixto e Zé de Manu caem bem de acordeon. Bateria é o nome de Luizinho Duarte, Denilson Lopes, Ricardo Pontes e Aristides Cavalcante. Percussão, não precisa gritar para ouvir Descartes Gadêlha, Hoto Jr., Evilásio Bilas, Nilton Fiore, Marcos Melo, Demétrius Câmara e Ronilson Lima. Herlon Robson, assina pela moçada da programação eletrônica. São rufos, sopros e ponteios fazendo a liga da versátil musicalidade do nosso Ceará instrumental.