Augusto Rocha e o sinal do Espiroá
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 18 de janeiro de 2017 – Fortaleza, Ceará, Brasil
FAC-SÍMILE
Depois de rodar milhares de quilômetros de motocicleta, em uma aventura de ida e volta ligando Fortaleza à Bahia Lapataia, no extremo sul do continente americano, Augusto Rocha conta tudo em seu quarto livro de viagens, intitulado Espiroá (2016). Aproveitando este momento de férias, li o relato dessa nova aventura do nosso vizinho piauiense, e, mais uma vez, fico positivamente impressionado de como ele dá grandeza ao seu tempo livre.
O caprichado projeto gráfico do professor Geraldo Jesuíno e as aquarelas sensíveis e o bico de pena do ilustrador Walber Feijó conferem elegância e leveza a um livro que tem 349 páginas, mas seu volume não atrapalha a leitura relaxada. A narrativa fluente e em primeira pessoa possibilita de certa forma viajar junto com Rocha e Manga – os dois amigos que enfrentam intempéries climáticas para chegar à Terra do Fogo em um trajeto cheio de paisagens deslumbrantes.
Para quem, como nós, tem uma visão de viagem em veículos de quatro rodas, a exposição dos acontecimentos de estrada feita por quem se desloca sobre duas rodas é curiosa. Ora cruzando o escaldante deserto de Atacama, ora atravessando a região gelada de Ushuaia, o autor oferece detalhes de uma experiência em que o corpo se expõe a mudanças de temperatura e de estação para desabar em uma cama depois de mil quilômetros diários.
O detalhamento repetitivo do cardápio é meio enjoativo no começo, mas com o avançar da leitura dá para se acostumar com tanto suco de laranja, coca-cola, pão de queijo e medialuna.Augusto Rocha é um bom contador de histórias, um aventureiro que faz ótimas descrições das paisagens, e é também por conta da riqueza de detalhes que o leitor pode facilmente imaginá-las. Em alguns trechos dá para pensar como alguém que perde tanto a chave da motocicleta é capaz de fazer uma viagem com tantas complexidades.
Augusto Rocha demonstra uma característica indispensável aos viajantes independentes, que é saber chegar, se aproximar, conversar e se relacionar com tranquilidade com as pessoas por onde passa. Viajar de motocicleta é um exercício de escolhas certas e de pouca margem para improvisações. Não dá para levar muita bagagem e o planejamento do roteiro precisa ser bem feito, sobretudo quando a aventura envolve montanhas com neve, chuvas e ventos intensos.
O livro tem ótimos momentos, como a chegada ao Pico da Bandeira, a Antofagasta, San Pedro de Atacama, Alto Caparaó e ao cultivo de café na fazenda Ninho da Águia. Derrapa aqui e ali em momentos completamente dispensáveis, especialmente no trocadilho de vingança do desejo que faz com uma garçonete, na crítica a “senhora metida a adolescente” de uma loja de autopeças, e a comparação tosca entre a monotonia dos 3.063km da rodovia que liga Buenos Aires à Terra do Fogo e o envolvimento com uma mulher chata.
Afora esses pequenos deslizes, o livro é um convite às viagens, com páginas cheias de menções a particularidades chilenas, argentinas, uruguaias e brasileiras. Como uma das coisas boas de viajar é o retorno para casa, o título Espiroá é uma referência a um riacho nas proximidades de Caucaia, momento em que o autor, cansado e feliz, percebe que Fortaleza se aproxima e que está chegando a hora de começar a contar tudo o que se passou.