op_a-america-aos-americanos

Em dezembro de 1997, a capa de uma revista intitulada Manifesto chamou a minha atenção nas bancas: “O Muro Americano”. Na foto, carros da patrulha de fronteira (border patrol), criada em 1924 pelos Estados Unidos, vistos através de um buraco na cerca metálica dispostas na divisa entre San Diego, nos EUA, e Tijuana, no México. A matéria, com textos e fotos do repórter paulista Carlos Azevedo, revelava as barreiras construídas em um terço dos 3.140 quilômetros da fronteira entre os dois países.

A reportagem mostra trecho por trecho a “linha que separa o Império da Colônia”, como se fosse um pesponto em que o fio de costura aparece e desaparece no tecido. A parte visível, de concreto, ferro e alambrados, começa a 150 metros dentro do mar do Pacífico, cruza a praia e se estende por 24 quilômetros até as montanhas. Depois, o muro reaparece separando as cidades de Caléxico e Mexicalia, Lukeville e Sonaita, partindo Nogales em duas, apartando Douglas e Água Prieta, El Paso e Ciudade Juárez, Del Rio e Ciudade Acuña, Laredo e Nueva Laredo, até McAllen e Reynosa, quando a divisa entre os dois países chega a Bowsville e Matamoros, região intensamente policiada no mar do Atlântico.

Nesse percurso, que equivale à distância entre Fortaleza e São Paulo, o repórter, conhecido na imprensa brasileira por seu trabalho de jornalismo investigativo, mostra também as barreiras naturais, com cerca de mil quilômetros de deserto e dois mil quilômetros acoplados ao leito e aos canyons do Rio Bravo del Norte, para os mexicanos, e Rio Grande, para os estadunidenses.

No século XIX os EUA tomaram do México dois terços do seu território e a região nunca parou de ter conflitos, notadamente os que são gerados pelo desejo dos mexicanos de ir e vir ao que era, ou que ainda consideram parte do seu país. Este problema veio à tona em grande escala, agora em 2017, pela determinação do presidente Donald Trump de efetivar sua promessa de campanha e finalizar definitivamente a construção do muro na fronteira, e ainda querer fazer isso aumentando os impostos na importação de produtos mexicanos.

A diferença de Trump dos demais presidentes dos EUA é que ele é autêntico e não usa máscaras. Com seu slogan “Make America great again” (Vamos fazer a América grande novamente), está jogando abertamente o jogo dos impérios em decadência. Não há, portanto, novidade no interesse do “Tio Sam” de fazer um muro que praticamente já existe há tanto tempo. A novidade que vejo no momento é a reação incisiva de uma empresa de bebidas, que lançou uma fantástica campanha institucional, na qual afirma que a “América somos todos” e que “chega de usar nosso nome para promover divisões”.

Ao avisar poeticamente a Trump que a “América” não é apenas um país, mas um continente inteiro com 35 estados unidos, uma massa continental que toca os dois polos do planeta, na qual habitam mais de um bilhão de habitantes em sua pluralidade e diversidade fecundas, e que ele pare de “usar nosso nome para criar divisões”, a cerveja Corona presta um grande e histórico serviço a cada um de nós americanos que acreditamos na desfronteirização. Bebi a primeira cerveja Corona na praia de Acapulco há algumas décadas e, com esta postura corajosa expressa por essa marca, sinto-me convidado a seguir saboreando essa cerveja, que agora me traz mais um ingrediente em sua composição.