O crescimento e a desproporção da interferência do mercado na vida social têm sido tão desmedidos e intensos que se tornaram problemas mundiais. A planificação dos modelos de consumo, desde os enxovais de bebês até os rituais fúnebres, facilita a massificação de marcas e produtos das corporações dominantes, porém aniquila as peculiaridades dos costumes, crenças, valores, convicções, linguagens, saberes, conhecimentos, sensibilidade estética, enfim, os modos de vida e a visão de mundo inerentes aos diversos povos.
Em 2013, a ONU reuniu em Nova York especialistas de todos os continentes para tratar dessa questão e, representando o Brasil, esteve lá a advogada Ekaterine Karageorgiadis, coordenadora do Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana, de São Paulo. Desse encontro saiu o relatório O Impacto do Marketing na Fruição dos Direitos Culturais, assinado pela socióloga Farida Shaheed, do Paquistão; texto recentemente traduzido para o português pela equipe do Projeto Criança e Consumo.
O ponto de partida desse documento é o choque entre o reconhecimento da diversidade das expressões culturais (como importante fator para que indivíduos e sociedades se manifestem e compartilhem com outras o que pensam, como pensam e por que pensam de determinada maneira e inspiradas em quais fundamentos intuitivos e racionais) e a constatação das interferências da comunicação mercadológica na relação das pessoas com a cultura. E, claro, as consequências da desproporcionalidade dessa concussão na constituição de sentido social.
Como peça decorrente de pesquisa de interesse de uma organização intergovernamental, é natural que o relatório tenha sua mensagem voltada às políticas públicas, com orientação para que os Estados criem ou fortaleçam mecanismos de proteção dos Direitos Culturais e combate dos excessos cometidos pelo discurso e pela ação das agências de publicidade e de marketing contra a cidadania, à mando de empresas pouco afeitas aos códigos de boas práticas de consumo consciente. O relatório dá ótimo destaque ao tema da publicidade dirigida à infância, considerando que meninas e meninos tendem a não perceber certos artifícios das mensagens comerciais.
É positivamente curioso como as Nações Unidas reconhecem que “há falta de transparência na forma como as várias regulamentações e códigos de autorregulamentação relacionam-se entre si”, e reforça a necessidade da atitude oficial para barrar os exageros da publicidade e do marketing sobre os Direitos Culturais, excesso esse que já chegou à invasão de desejos subconscientes. Situação semelhante é apontada no relatório para os contextos dos mercados “livres” de propaganda política, social e religiosa, que promovem aspirações com métodos nem sempre explícitos.
Entre as ações recomendadas pelo relatório, está a do aumento de espaços “para as expressões não lucrativas”, a fim de que permitam o desenvolvimento e a manifestação de significados próprios, o acesso e gozo ao patrimônio cultural e aos recursos que possibilitam a realização cultural, longe da onipresença perturbadora das técnicas e táticas de convencimento mercadológico que distorcem simbologias, corroem valores, confundem liberdade de pensamento e reduzem as pessoas a alvos do consumismo.