Pensando bem, há momentos em que dá mesmo vontade de sumir com os filhos para um lugar bem longe de certas mídias, escolas, igrejas, órgãos estatais, centros comerciais, enfim, de tudo o que tem de algum modo contribuído para tornar a vida urbana um drama redutor das pessoas à mera condição de consumista.
Foi a decisão tomada pelo casal Cash, do filme Capitão Fantástico (EUA, 2016), dirigido por Matt Ross, que resolve criar os seis filhos em um lugar que considera mais seguro que a cidade: a selva. Cientista de formação e pai apaixonado, o personagem Ben comanda uma educação reflexiva, apoiada em técnicas de sobrevivência, leitura, música e consciência dos direitos humanos.
A preparação física e intelectual das quatro filhas e dos dois filhos, entre 7 e 18 anos, para o enfrentamento do mundo ocorre em dramaturgia beatnik e inspiração no ideário libertador do filósofo estadunidense Noam Chomsky, que tem uma história simultânea de ativismo socialista e de professor de filosofia do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), centro de excelência universitária de viés preponderantemente empresarial.
Capitão Fantástico é um filme de contrapontos. Ao tempo em que nega os hábitos da hiper-realidade urbana, consumista e individualista, revela efeitos antissociais do isolamento de uma família que mora na mata em situação de vida livre, austeridade desafiadora e sentido de aventura na educação. Embora com a trama construída em torno de Ben, o diretor deixa o espectador à vontade para se reconhecer nas diversas passagens conflitantes das duas visões de mundo.
Em exibição no Cinema de Arte, do Cinépolis RioMar, em Fortaleza, o longa de Matt Ross vale-se do recurso da caricatura para mostrar que os extremos são lugares vulneráveis e pouco recomendáveis para a criação dos filhos. Do divertido e provocativo encontro desses dois mundos irreais, suportados pelo exagero, há muitas lições a serem tiradas no que diz respeito a radicalismos, segregações e preconceitos.
É inquietante o que acontece no encontro de primos, quando a família de Ben deixa a floresta para retornar à cidade em decorrência de fatos relativos à morte da mãe Leslie. O choque de métodos educativos se estende desde o sentido de informação adequada aos filhos até a noção de direitos civis, em uma bem-humorada troca de alienações. A relação com os avós maternos também coloca frente a frente os sistemas de ostentação e de viver com o necessário.
O ponto mais admirável da família do Capitão Fantástico é que ela é formada por crianças e jovens que aprenderam a amar o mundo, amando umas as outras, construindo vínculos em atividades compartilhadas, exercícios conjuntos, trocas de cuidados e afetos permanentes. O que significa uma aprendizagem de vida simples, que não é tão simples, pois exige esforços, sacrifícios, cumplicidade e cooperação. Mas, por incrível que pareça, isso não basta.
O que há de fantástico a justificar o nome do protagonista é o seu grande amor pelos filhos. Homem de convicções fortes, de apego à história das ideias e à natureza, ele sente a reação dos filhos, quando estes se deparam com outras possibilidades do viver, e cede a alguns dos movimentos contrários ao seu modo de criação, como o reconhecimento de que eles precisam ir à escola. É um bom filme, com elenco cativante. Vale a pena ver com a garotada acima de 14 anos.