Todo ano, no período da Semana Santa, vou para Independência, no interior do Ceará, onde eu nasci. Não me canso de ver e rever a alegria da natureza em festa. Sempre aprendendo com o sertão, sempre me sentindo agradecido por seus encantos e belezas. No sábado passado (15), ao sair bem cedo para andar no mato refrescando o corpo com a água benta do orvalho, deparei com um tiziu dando cambalhotas na ponta de uma estaca de cerca.
Esse pequeno pássaro saltitante, de plumagem preta azulada, sempre aparece em tempo de chuva, atraído pelas sementes de capim e pelos insetos. Procura essa condição de fartura para se reproduzir. No ambiente adequado, costuma dar saltos verticais em trilos de “ti, ti, tiziu”, de onde popularmente foi tirado o seu nome. Voa para cima e para baixo no mesmo local, cortejando a fêmea e marcando território.
Apreciei parado e em silêncio aquela brincadeira de bate-estaca e, antes de seguir meu passeio matinal do Sábado de Aleluia, deu vontade de registrar aquele momento, a fim de mostrar seus encantos a outras pessoas. Estava diante de um GIF natural, bem comparando a repetição espontânea do tiziu com os efeitos animados de imagens compactadas, comuns na internet. Mesmo receoso de espantá-lo, desfazendo aquela situação de fantasia, aproximei-me o mais que pude, filmando-o com a câmera do celular.
A sensação aliviante de ter feito tal registro e, com isso, de poder compartilhar aquele instante tão lindo me fez pensar no sentido de tempo estendido trabalhado por Carlo Rovelli no seu livro “A realidade não é o que parece” (RJ: Objetiva, 2017). O físico italiano diz que “o presente é como a planura da Terra” (p.77), e isso faz com que a nossa ideia de “presente” se resuma muitas vezes ao “aqui e agora”, quando na vida “não existe um exatamente agora” (p.74).
Em seu salto e canto repetitivos, o tiziu não trazia para si e para mim apenas movimentos e sons em determinado intervalo de tempo, mas a liga de uma espécie de substrato universal em relação ao qual se moviam nossos sentidos. Aquele GIF de sublimação instintiva, animado por um passarinho enamorado, estava ali e além dali por ser algo da ordem dos conceitos que se fundem, como o espaço e o tempo, o campo elétrico e o magnético, a energia e a massa, o lúdico e o ser humano.
Nem ele, nem eu éramos somente nós, entre tudo tão verde, nada com sede, entre sons e tons de uma paisagem cheia de pequenas coisas florescendo no tempo e pelo tempo de florescer. Regozijo ao ar livre. Inspiração luminosa de divina existência. Simples anúncios da grandeza do mundo a ofertar como um todo único e junto em sua diversidade, chances de sentir o significado profundo das brevidades na complexa e desafiadora trama da realidade.
Rovelli afirma que “o mundo das coisas existentes é reduzido ao mundo das interações possíveis” (p.132). Tentando seguir esse pensamento quântico sobre o que pode ser o real, procurei ver esse episódio do tiziu não como algo a ser simplesmente observado e descrito, mas como ele aconteceu e como eventos assim são capazes de influenciar a minha vontade de continuar apostando na expansão e interligação das belezas da vida.