E se passaram 35 anos daquele mês de junho de 1982, quando lancei meu primeiro livro, dentro da programação de um seminário sobre Monteiro Lobato, realizado pelo Paulo Peroba, no hoje demolido hotel Esplanada, que ficava na avenida Beira-Mar, em Fortaleza. O livro estava pronto dois anos antes do lançamento, com prosa e versos escritos entre os meus 17 e 20 anos. O título provisório era “Por que nasce o poeta”, tirado de um poema no qual defendo a necessidade das pessoas de gritarem “pela insaturação das ideias / pela desconturbação do mundo”.

Quando os originais foram para a gráfica da Imprensa Oficial do Ceará (IOCE), senti o quanto as coisas que parecem impossíveis podem se tornar reais, e essa percepção da concretude do sonho me levou a mudar o título para “A face viva da ilusão”. Estava ali a minha cara, a cara da minha inquietação de jovem adulto, minhas crenças, reflexões e prática imaginária. Uma cara feita também de muitas outras, pois desde menino que aprendi a me encantar com sabedorias e pessoas que conseguem ser grandes na simplicidade do si.

Assim, fiz amizade com pessoas admiráveis, como o escritor Moreira Campos e o poeta Francisco Carvalho, a ponto de ter coragem de mostrar a eles meus escritos e, mais ainda, de pedir que os criticassem.

Moreira Campos viu sentido: “O autor possui a inspiração poética, um bom domínio da língua, revelado aqui e ali na palavra necessária ou na frase expressiva”; e Francisco Carvalho ponderou: “O poeta que agora engendra os primeiros passos precisará de humildade para entender que a ordem ou a desordem do mundo não será alterada pela magia de algumas engenhosas metáforas”.

Estrigas, com carvão, ilustrou o ambiente de prosa, e Nice, com pincel, fez o desenho do campo de versos. Para as páginas iniciais, rabisquei um pontilhado de nanquim em papel manteiga, com transparência aplicada sobre uma superfície rajada, em uma espécie de yin yang de rostos refletidos em paisagem interior.

Pelas citações espalhadas ao longo do corpo do livro, dá para imaginar meu leque de inspirações naquele momento. De Drummond: “Eu preparo uma canção / Que faça acordar os homens / E adormecer as crianças”; de José Ângelo Gaiarsa: “O acontecer é muito mais amplo do que o retrato falado que dele fazemos”; de Pablo Milanés: “Lo que brilla con luz propria nadie lo puede apagar / Su brillo puede alcanzar la oscuridad de otras costas”.

Em uma das orelhas, o desabafo de Manuel Bandeira: “Estou farto do lirismo comedido / Do lirismo bem comportado”; na outra orelha, uma lição de Hermann Hesse: “Não lhe posso dar / O que existe em você mesmo // Não posso atribuir-lhe outro mundo de imagens / Além daquele que há / Em sua própria alma // Nada lhe posso dar / A não ser a oportunidade / O impulso, a chave // Eu o ajudarei a tornar / Visível o seu próprio mundo”.

No conto que escrevi, e que Moreira Campos achou melhor chamar de crônica poética, falo da relação de um pé de cajueiro com formigas. Já os poemas, que Francisco Carvalho considerou os acordes inacabados do que poderia vir a ser uma sinfonia, seguem uma variedade temática que se estende desde a infância até as questões político-sociais, existenciais e amorosas, passando por natureza, liberdade e futurismo. Ao falar da vida e do viver, escrevi versos como “Cresça com a morte e nunca morra” e “O horizonte é o lugar em que estamos”.

Curioso é que nas primeiras páginas escrevi uma carta para o Henfil, falando do tanto que tinha ralado para chegar até ali, mas também da satisfação de ter chegado a hora de publicar um livro. Mais curioso ainda é que ele me respondeu assim: “Já estranhei a capa com o teu retrato de criança, com o qual me identifiquei, me vi. Aí, vou abrir o livro e deparo com a tua carta. Olha, tem uns carinhos que amolecem os ossos. Virei geleia de mocotó. Mas já recuperei e novamente estranhei: terão meu pai e minha mãe viajado por Fortaleza? Que irmão é este que eu não sabia existir?”.

Na última capa, em forma de soneto, peço que o leitor seja magnânimo com o meu trabalho: “Ele precisa ser educado como uma criança / Que vai à escola pela primeira vez / Carregando nos olhos a esperança / Do aprender – eis tudo o que quer, talvez”. Assim, a cada novo livro que passei a publicar – e já foram mais de vinte de lá para cá – procuro estar atento a essa observação de que os livros, assim como as pessoas, precisam carregar nos olhos a esperança do aprender.