O dia amanhecera chuvoso e nas primeiras horas da manhã um arco-íris ligava o mar à cidade. Eram 07:30 e, dirigindo, não pude apreciar toda a extensão daquele arco de cores no céu de Fortaleza. Ao chegar às imediações do escritório, percebi que ele podia ser visto por trás da abertura retangular existente no alto de um prédio em ruínas. Parei o carro, desci e fiz uma foto de celular. Havia uma conversa visual entre o céu cinza e a fachada mal conservada do imóvel, enquanto o portal de alvenaria exibia a mensagem de espectro solar.
Retornei ao automóvel e finalizei o percurso de ida ao trabalho. Ao sair da garagem, fui cumprimentado pelo segurança, que me acompanhou em silêncio até a recepção. Dei bom dia e ele, um tanto pensativo, apenas acenou positivamente com a cabeça. No dia seguinte, bem cedo, tudo já estava claro quando estacionei na garagem, embora a hora fosse a mesma. Senti a mão hesitante do segurança tocando o meu ombro. Antes de me virar, ele disse que na tarde anterior tinha se lembrado de mim.
Contou que, terminado o seu expediente, quando ia para casa e já estava dentro do ônibus, notou uma luminosidade amarelada em direção ao mar, ao cruzar as ruas que nascem na praia. Desceu em uma das paradas da Avenida da Abolição e foi ver o pôr do sol. Relatou cada detalhe desse acontecimento e, com um semblante neotênico, comentou que a natureza nos oferece tanta beleza e a gente muitas vezes nem se esforça para ver as coisas bonitas do mundo.
Rufino aparenta bem menos do que os seus 38 anos de idade. Filho de militar, morou em várias cidades brasileiras, tendo inclusive nascido em Brasília. Em nenhuma delas havia parado para apreciar um pôr do sol. A resposta que ele me deu, sem que eu tivesse perguntado, foi que infelizmente a maioria das pessoas está tão voltada a só trabalhar e resolver as coisas de casa que não tem tempo para isso.
Foi a minha vez de ficar mudo. Emocionei-me com o jeito espontâneo e contente com que ele revelou a emoção sentida ao ter vontade de ver o pôr do sol e ter tomado a atitude para fazer tal contemplação. Com uma estranha melancolia, lembrei-me de que no momento em que fiz a foto do arco-íris no dia anterior, não prestara atenção que estava sendo observado naquele ato. Mas foi aquele pequeno recorte de cores enquadrado pela fachada do prédio abandonado que me fez saber dessa sensibilidade de Rufino.
O toque sutil em meu ombro, o cuidado para não causar qualquer incômodo com sua vontade e suas palavras desajeitadas me disseram da importância que precisamos dar a alguns hábitos que às vezes supomos estar perdidos dentro de nós. Chamaram também a minha atenção para o quanto a consciência estética pode estar presa no campo do inacessível. Os dias passam e cada vez mais desativamos nossos sentidos para o belo.
O impulso de Rufino para usar parte do seu escasso tempo de locomoção na apreciação do pôr do sol demonstra o valor, para o indivíduo e para a vida, daquilo que só depende da escolha de cada um proporcionar a si mesmo. Não quis perguntar se teve alguma consequência em casa o fato de ele ter chegado mais tarde naquele dia; mas certamente não chegou o mesmo. Quanto a mim, posso dizer que fiquei engrandecido com esse episódio. Bulbrax!!!