Socorro faz aulas de musicalização desde 2015. O resultado das inspirações e do estudo foi vertido no álbum O Vento Vai Longe (FOTO: MARCOS VIEIRA)
Há música habitando o íntimo de cada pessoa. Acreditando nesse propósito, o escritor cearense Flávio Paiva incentivou a mãe, Socorro Paiva, a iniciar aulas de musicalização. O ano era 2015 e ela havia acabado de chegar a Fortaleza para morar em definitivo. Vinha dos encantos do sertão de Independência, onde o acesso aos aparelhos de som era escasso. A morte recente do marido havia aberto uma lacuna na rotina. Ela começou, então, a jornada de duas vezes por semana frequentar uma escola de música.
Dona Socorro aceitou fazer as aulas de imediato e aprendeu mais do que notas ou técnicas. Descobriu o mundo que havia dentro de si, repleto de canções e referências únicas. Angelita Ribeiro, docente e diretora da escola, fez um trabalho dedicado e delicado de colocar a nova “aluna” em contato com a diversidade musical. Mesclando desde cantigas nordestinas a cançonetas húngaras e chilenas e temas folclóricos, ela abriu as portas de um universo tão misterioso quanto encantador. “Nós escolhemos um repertório adequado para a voz dela. Ela canta, acompanha, faz percussões”, explica Angelita.
O resultado dessa imersão foi reunido em disco de nove faixas, produzido por Flávio como presente aos 80 anos da mãe. Uma surpresa preparada com o apoio da professora Angelita, que realizou as gravações em segredo durante as aulas; dos músicos Tarcísio Sardinha e Adelson Viana, que a partir da trilha original criaram acompanhamento das canções com sanfona e violão; do flautista Giltácio Santos; e de Lucas e Artur Paiva, netos de Socorro, responsáveis pelo violão em uma das canções. Os músicos não tiveram qualquer contato com Dona Socorro para além da voz e das canções.
O disco, denominado O Vento Vai Longe -Socorro Paiva 80 anos, chegará ao conhecimento da homenageada apenas hoje, 22, no dia de seu aniversário de 80 anos. O processo feito em sigilo possibilitou, explica Flávio, que fosse priorizada a captura “da qualidade do sentimento e não apenas da qualidade técnica da gravação”.
Dona Socorro, portanto, não sabia que as gravações realizadas durante as aulas teriam esse fim. Cantou e musicalizou com a alma aberta ao improviso, ao erro, ao inusitado. “O importante é o prazer de fazer, a descoberta de que pode fazer. E o trabalho incrível de memória e de coordenação”, explica Angelita, que tem alunos de até 90 anos na escola de música. “O principal é ter o contato musical envolvido numa afetividade incrível. É o prazer de fazer, de descobrir o que pode fazer, de ser capaz”, explica.
O disco não será vendido. Além da própria homenageada, amigos e parentes de dona Socorro vão receber esse sonoro presente musical. (Isabel Costa)