O professor Parsifal Barroso (1913 – 1986) foi governador do Ceará de 1959 a 1963, em gestão marcada por acusações de inércia num tempo de muita bala no campo da política. Para completar o quadro de tensões no seu mandato, a figura de Parsifal afrontava os coronéis cearenses, por ele ter sido ministro de Juscelino Kubitscheck e, com a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, ter apoiado a posse de João Goulart na Presidência da República.
A polêmica administração de Parsifal Barroso pode até ter rendido um governo de poucas realizações, mas reforçou no professor de química, história natural, filosofia e economia do Liceu e da UFC a convicção de que o desenvolvimento do Estado só será efetivo quando seus dirigentes mudarem a mentalidade dominante que não sabe como explorar os diferenciais comparativos locais, sobretudo uma cultura riquíssima em combinações étnicas.
O destino geoeconômico do Ceará, segundo ele, foi muito prejudicado com o abandono da conexão com o Meio Norte para a longa gravitação em torno de Pernambuco, e pela diretriz histórica voltada à preservação da versão portuguesa de marco colonial, em detrimento de eventos como a povoação da área que se estende do Porto de Camocim à Ibiapaba.
Entrevistei o professor Parsifal Barroso no apartamento em que ele morava, na Praia do Futuro, para a edição de março/abril/1985, da revista da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade. Ele era o governador quando da instalação da CNEC no estado, em 1960, e havia ministrado a aula inaugural da Campanha no Ceará. Mostrava-se apaixonado pela alternativa das escolas nascidas e mantidas por articulação local.
Motivado pela conferência “Precisa-se do Ceará”, ministrada por Gilberto Freyre no Theatro José de Alencar, em 1944, Parsifal escreveu o ensaio “O Cearense” (Record, RJ, 1969), no qual expõe algumas teses sobre o ethos cearense, critica omissões e distorções historiográficas e cobra o aprofundamento do conhecimento do que somos, como forma de aproveitamento pleno das nossas potencialidades.
Ressalvando a ação dos Bandeirantes, o pensador pernambucano afirmou na ocasião que, ao se espalhar por todo o país, o cearense, com seu ativismo andejo, foi quem mais cumpriu o destino de unificação do Brasil. Essa história de povo transregional, refletida por Parsifal Barroso, chega novamente ao público com a segunda edição do livro “O Cearense” (Escrituras, SP, 2017), lançada ontem (8/8) na Assembleia Legislativa do Ceará.
O autor realça uma rica paisagem cultural de tendência libertária como produto original da cearensidade. Foi a gama de tribos tapuias que se refugiaram no cinturão de chapadas oposto ao mar que deu início à formação do complexo caldeamento de índios, mamelucos, africanos, ciganos, holandeses, judeus, franceses, portugueses, espanhóis e sírio-libaneses, que geraram vaqueiros, beatos, jangadeiros, jagunços, cangaceiros, mascates e empreendedores cearenses.
Gente de poesia, aberta à amizade, às oportunidades e novidades, com afeição telúrica e espírito cosmopolita, versátil em sobrevivência, mas imprevidente, sem hábito de poupança e sem apego à tradição ou ao interesse no longo prazo. Parsifal Barroso provoca o leitor a refletir sobre o quanto tem sido desvantajoso para o cearense estar sempre em busca de segurança e libertação, seguindo o duplo destino do Ceará Migrante e o Ceará Moleque.