Recebi o convite da coordenação da Festa Literária 7 de Setembro (Fli7), que vai acontecer entre os dias 27 e 30/09/2017, para participar de uma ação de ativação desse evento, realizada na Praça Portugal, em Fortaleza. A ação consistiu em “esquecer” exemplares de um livro de outro autor, que foi importante para mim, com dedicatória ao leitor desconhecido.

Foram tantos os livros que já me disseram coisas tão especiais, mas escolhi o Flicts, do cartunista e escritor mineiro Ziraldo, porque a lição que aprendi com o personagem dessa história, que é uma cor, continua significativa para mim, nas minhas relações sociais, políticas e culturais.

Trato com naturalidade as pressões que recebo para não ser como sou, para acreditar no que não acredito, participar de grupos organizados por afinidades pouco interessantes para mim, e até para escrever e compor obras adequadas às exigências do mercado.

Aprendi a circular por distintas tribos e descobri que o senso comum não é tão comum como parece. Procuro ter paciência na condução do meu propósito de tratar literatura e música como missão e não como profissão, porque desse modo encontro calmamente leitores de todas as cores que se interessam em brincar, pensar, refletir e agir como Flicts.

Como o tema da Fli7 é “A literatura como arte que transforma a realidade” e a organização me solicitou ainda que fizesse um vídeo self, gravado em celular, explicando a razão de ter escolhido Flicts, fui direto ao assunto: revelei que tenho esse livro como muito importante na minha vida porque ele me livrou de uma incômoda sensação quando em alguma situação eu me sentia diferente.

Quando eu era criança, em Independência, e quando passei a morar em Fortaleza, na adolescência, não me sentia à vontade nos lugares em que eu divergia das opiniões predominantes ou que não queria fazer o que as pessoas estavam fazendo. Era como se não concordar com a maioria colocasse em dúvida quem eu era nessas situações.

Não me recordo da circunstância em que li o Flicts. Sei que fiquei maravilhado com a forma como o Ziraldo conta da dificuldade daquela cor de encontrar um lugar para si na dinâmica dos grupos de cores. Percebi que pensar diferente, ser diferente, não é um problema; pelo contrário, é uma forma de valorizar e de contribuir com o que a sociedade tem de mais rico que é a diversidade e a pluralidade.

A leitura do Flicts me liberou para crescer sem a limitação de achar que ser diferente ou divergir é uma coisa ruim. Mesmo as convenções libertárias, como a caixa de lápis de cor e o arco íris, não deveriam restringir os espaços onde as cores se encontram. Dei-me conta de que a não identificação com o que distingue as outras cores como as conhecemos era o que empurrava Flicts ao isolamento. E, como ele, passei a não aceitar essa condição.

Ver o mundo com outros olhos, pensar diferente, sonhar outros sonhos pode ser um exercício constante de provação na busca da individualidade e do pertencimento no jogo das aparências e das essências. Esse aspecto sutil e simbólico do ser Flicts é fundamental para quem, mesmo mal recebido diante do que está posto como legítimo, não aceita cair nas armadilhas da vitimização.

Ziraldo confirmou pessoalmente com o astronauta estadunidense Neil Armstrong, considerado o primeiro homem a pisar no solo lunar (1969), que bem de perto a lua é cor de Flicts. Fui saber disso na última página do livro, depois de acompanhar a aventura trágica e mágica dessa cor. Impactado com essa revelação, voltei a olhar com cuidado cada uma das cores e descobri que se de perto nenhuma é igual a outra, há sim um lugar no mundo para Flicts.